Entrevista. “O ato médico em Oftalmologia deve ser exclusivo dos médicos oftalmologistas”
Rita Flores, presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, alerta para a necessidade de se definir o que é um ato médico em Oftalmologia para se evitar a partilha do mesmo com outras classes profissionais. Outra premissa é a educação da população para a importância da saúde da sua visão.
Como está a ser experiência destes primeiros meses à frente da SPO?
Ser presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia e poder representar os meus colegas oftalmologistas é uma tarefa de responsabilidade e um verdadeiro motivo de orgulho. Exige atenção, dedicação, disponibilidade e organização, que não são só minhas, mas de todos os elementos da equipa que me acompanha e sem a qual nada seria possível. A minha função é, fundamentalmente, aglutinar, hierarquizar e ajustar as ideias, projetos e participações de todos eles, que são os verdadeiros motores desta sociedade científica que represento como presidente.
“Formar; Registar; Comunicar; Gerir; Organizar” fazem parte das linhas gerais do seu mandato. O que poderá ser mais desafiante?
Eu diria que a linha programática mais desafiante é a que intitulámos de “Registar”: marco que definimos no nosso programa que permitirá que nos possamos conhecer e avaliar, e assim, possamos procurar sempre a melhoria contínua dos cuidados de saúde oftalmológicos que prestamos. Será um projeto que não se esgotará no final deste biénio e que exige a implementação de ferramentas adequadas, sustentadas no tempo e sustentáveis para a sua continuidade futura. Agora, se me perguntasse qual a linha programática mais inovadora, eu diria que seria a que intitulamos de “Gerir”. A Unidade de Gestão e Estratégia que estamos a desenvolver, sendo uma estrutura exclusivamente dedicada à gestão e suas implicações, dará à SPO uma visão mais abrangente, moderna, inovadora e preparada para o futuro.
“A referenciação pelos cuidados primários de saúde necessita ser trabalhada e melhorada”
Como avalia atualmente a Oftalmologia em Portugal em termos de acesso a cuidados de saúde por parte da população?
Temos limitações conhecidas de todos relacionadas, por exemplo, com o acesso aos cuidados oftalmológicos, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, com listas de espera desproporcionadas e desigualdades geográficas assinaláveis. A referenciação pelos cuidados primários de saúde necessita ser trabalhada e melhorada. A hierarquização dos cuidados de saúde e das unidades hospitalares merece ser reformulada. Estas limitações condicionam, é certo, o estado da visão em Portugal, mas sublinho e reforço que, em Portugal, pratica-se uma Oftalmologia de qualidade.
Quantos oftalmologistas estão a trabalhar no SNS? Os atuais problemas têm levado à fuga de profissionais?
Há uma grande desproporção entre o número total de oftalmologistas e o número de oftalmologistas a desempenhar funções no SNS. Muitas razões poderão ser apontadas, várias delas não recentes, algumas estruturais, outras geracionais. Quantos às causas geracionais que poderão influenciar todas estas dinâmicas entre sector público e privado, deveremos conhecê-las e analisá-las, sabendo que, se não as podemos contrariar na sua essência, poderemos modelá-las, se as contrapartidas entre sector público e privado, pudessem ser inteligentemente restruturadas. Algo poderá e deverá ser realizado na tentativa de alterar o que todos assistimos: atuais políticas de contratação, pouco investimento nas carreiras médicas, subfinanciamento dos cuidados de saúde e profissionais de saúde.
“Outro elemento fundamental nesta equação será educar a população da necessidade de cuidados de saúde regulares, desempenhados por profissionais competentes na saúde visual”
Deveria existir um cheque-visão, nomeadamente para crianças e idosos? Muitos continuam a ir aos oculistas…
Mais importante seria definir o que é o ato médico em Oftalmologia, clarificando que este deve ser exclusivo dos médicos oftalmologistas e não partilhado com outras classes profissionais. Esta premissa será de um enorme benefício para a saúde visual dos portugueses. Outro elemento fundamental nesta equação será educar a população da necessidade de cuidados de saúde regulares, desempenhados por profissionais competentes na saúde visual, ou seja, por médicos oftalmologistas.
Que mensagem gostaria de deixar aos internos de especialidade e aos jovens oftalmologistas?
Aos internos de especialidade e aos jovens oftalmologistas, eu deixaria, claramente, uma mensagem de grande positividade: a Oftalmologia é uma especialidade em franco e contínuo progresso, científico e tecnológico. Deverão apostar na valorização profissional e desenvolvimento formativo, preocupando-se com a aquisição de competências técnicas e científicas, nunca descorando que trabalhamos com e para pessoas, o que faz da Medicina uma atividade singular, altruísta e tão especial.
SO
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