3 Nov, 2022

Entrevista. “Ninguém pode desenvolver psoríase através do contacto com alguém que tenha a doença”

Álvaro Machado é dermatologista no Grupo Trofa Saúde e, em entrevista, fala sobre psoríase e a importância da adesão terapêutica. Relembra ainda que a doença não é contagiosa.

Qual a causa da psoríase?

A causa da psoríase não é conhecida. No entanto, sabemos que o sistema imune e a genética desempenham um papel-chave no seu desenvolvimento. Algo sempre importante a realçar é o facto de a psoríase não ser contagiosa. Ninguém pode desenvolver psoríase através do contacto com alguém que tenha a doença. E apesar de não conhecermos a causa, sabemos que existem alguns fatores que podem provocar o aparecimento ou agravamento de sintomas e lesões da doença, onde se destacam o stress, tabagismo, alcoolismo, infeções (particularmente estreptocócicas), trauma cutâneo (como queimaduras solares, cortes, picadas de inseto) e certos medicamentos.

 

Quais os tipos de psoríase e quem é mais afetado?

A psoríase tem diversos tipos, sendo a psoríase crónica em placas o mais comum. Outros tipos incluem a psoríase gutata, psoríase pustulosa e a psoríase eritrodérmica. Além disso, existem ainda algumas variantes regionais como a psoríase inversa, que afeta principalmente as pregas (como axilas, virilhas), e a psoríase palmoplantar. Particularizando as principais diferenças, a psoríase crónica em placas apresenta-se tipicamente com placas eritematosas (avermelhadas) com descamação esbranquiçada, em locais como os cotovelos, joelhos ou couro cabeludo; a psoríase gutata pode surgir com inúmeras lesões de menor dimensão, dispersas pelo tronco e membros; a psoríase pustulosa apresenta pústulas (pequenas “bolhas” com pus no interior) que podem surgir em vários locais do corpo; e a psoríase eritrodérmica é uma forma grave em que mais de 80% da pele do doente está afetada. A psoríase afeta de igual forma homens e mulheres. Pode surgir em qualquer idade, apesar de ser mais comum em adultos do que em crianças. No entanto, existem picos de incidência em algumas idades, como na casa dos 30 e dos 50 anos.

“… o isolamento social por parte dos doentes é uma realidade, bem como a associação da psoríase a ansiedade e depressão”

 

O impacto desta doença é significativo. Quais costumam ser as principais queixas dos doentes?

De facto, o impacto da psoríase pode ser muito marcado, não só a nível pessoal, mas também na dinâmica familiar, social e laboral. É frequente os doentes sentirem a estigmatização social em relação às lesões cutâneas, embora haja cada vez mais consciencialização da população geral para a doença. Contudo, o isolamento social por parte dos doentes é uma realidade, bem como a associação da psoríase a ansiedade e depressão. Especificamente em relação às lesões de psoríase, os doentes referem com frequência prurido (comichão), e com menos frequência desconforto e sensação de ardência. A descamação é também uma queixa frequente, evidente muitas vezes nas suas roupas e pela casa. Doentes com atingimento articular e que não têm a doença controlada referem muitas vezes limitação importante nas suas atividades diárias, especialmente, e caracteristicamente, no início do dia.

“Ao longo dos últimos anos assistimos a uma revolução no arsenal terapêutico da psoríase, especialmente nas últimas duas décadas”

 

Que tipo de tratamentos existem atualmente?

O tratamento da psoríase inclui desde tratamentos tópicos até à fototerapia ou tratamentos sistémicos (orais e injetáveis). De facto, a maioria dos doentes com formas leves pode ser controlada com tratamento tópico. No entanto, doentes com formas moderadas a graves necessitam de tratamento mais diferenciado. Ao longo dos últimos anos assistimos a uma revolução no arsenal terapêutico da psoríase, especialmente nas últimas duas décadas. A fototerapia e imunossupressores clássicos mantém-se como opções para as formas moderadas a graves. Contudo, naqueles doentes em que estes tratamentos não resultam ou estão contraindicados, felizmente dispomos hoje de fármacos com elevada eficácia e segurança, os chamados fármacos biológicos. No entanto, o tratamento de cada doente deve ser individualizado e personalizado.

É também na consulta que o doente sente, com frequência pela primeira vez, a empatia por parte de alguém que já testemunhou o impacto da doença noutros doentes

 

Sendo uma doença crónica, quais os maiores desafios para que se mantenha a adesão terapêutica?

É sempre importante destacar o papel do próprio doente no sucesso do controlo da sua doença. No entanto, a adesão ao tratamento depende de vários fatores. A título de exemplo, nas formas leves a moderadas da doença, a necessidade do cumprimento rigoroso e consistente do tratamento tópico pode, por si só, ser um desafio. Embora possam melhorar significativamente, há doentes que acumulam desgaste por terem de aplicar com frequência o tratamento tópico, por um lado pelo incómodo que pode causar no contacto com a roupa por exemplo, e por outro lado ao saberem que mais tarde ou mais cedo as lesões poderão voltar. Isto pode levar os doentes a desistir. Contudo, ao observarem a melhoria da doença, muitas vezes este é um estímulo para que mantenham a adesão ao tratamento. Nas formas moderadas a graves, dada a gravidade da doença, a maioria dos doentes cumpre as recomendações e segue à risca o tratamento prescrito. Na presença de uma melhoria significativa, especialmente com os fármacos mais atuais, a maioria dos doentes não equaciona sequer abandonar ou falhar o tratamento.

 

De que forma é que se pode ajudar os doentes a não descontinuarem o tratamento?

A consulta médica é o momento em que devem ser esclarecidas todas as dúvidas e questões do doente. É também na consulta que o doente sente, com frequência pela primeira vez, a empatia por parte de alguém que já testemunhou o impacto da doença noutros doentes. Desta forma, criam-se laços de confiança em relação ao dermatologista e às suas recomendações. É no pressuposto de uma relação médico-doente sólida que reside o cumprimento e sucesso do tratamento da psoríase.

SO

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