Entrevista. “É importante prevenir a bexiga hiperativa desde muito cedo”

A bexiga hiperativa afeta muito a qualidade de vida das pessoas, com algumas a acordarem oito vezes por noite, diz o médico ginecologista/obstetra e presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

Qual a prevalência deste distúrbio em Portugal e quais os grupos mais afetados?

A prevalência da bexiga hiperativa em Portugal varia muito consoante os estudos que foram feitos. O Hospital de Santa Maria, em conjunto com um grupo de farmácias, fez um estudo que apontava para quase 30% de sintomas associados à bexiga hiperativa na população em geral. Este número é semelhante a alguns estudos de vários países europeus.

Um em cada três indivíduos, mulheres ou homens, pode ter sintomas de bexiga hiperativa. Normalmente, em idades mais jovens, afeta mais mulheres do que homens, mas quando chegamos a idades superiores a 70 anos, começa a haver também muitos homens com sintomas de bexiga hiperativa.

Que fatores de risco destacaria?

O primeiro fator de risco está associado à idade. No caso das mulheres, outras condições que podem favorecer o aparecimento de bexiga hiperativa são o estado menopáusico e a existência de cirurgias anteriores, de doenças comuns como a diabetes e/ou de doenças relacionadas com a coluna lombar. Nos homens, as alterações prostáticas, a hiperplasia ou o tumor da próstata, bem como algumas cirurgias estão relacionadas com o aparecimento da bexiga hiperativa.

E quais os principais sintomas?

A bexiga hiperativa é caracterizada por contrações da bexiga face a estímulos muito ligeiros. Isso traduz-se numa vontade muito urgente em urinar e com muitos episódios que ocorrem durante o dia. Estas são pessoas que em vez de irem 5 ou 6 vezes à casa de banho, durante 24 horas, passam a ir 10, 12, 15 vezes e acordam três ou quatro vezes por noite, com vontade emergente de urinar, o que perturba muito as suas vidas diárias.

Como se pode diagnosticar este problema?

Uma parte do diagnóstico é muito clínico. É um processo onde 90% do diagnóstico é feito ouvindo o doente. Perguntamos qual o padrão de micção, quantas vezes vai à casa de banho, que sintomas é que estão associados e se, quando têm vontade, conseguem aguentar a micção até a uma altura em que esta seja apropriada.

Depois, recorremos a análises para perceber se não há uma infeção urinária, um tumor da bexiga ou uma pedra no sistema urinário que possa desencadear alguns destes sintomas. Na ausência desses sintomas, podemos também realizar alguns exames complementares para ver o tipo e o padrão da bexiga hiperativa, nomeadamente os exames urodinâmicos. O exame urodinâmico não é obrigatório para o diagnóstico. Este exame pode mostrar algumas características da bexiga hiperativa e nas dúvidas terapêuticas ou nas falências das respostas, permitir ajudar a escolher os melhores tratamentos.

De que forma é que este distúrbio impacta a vida das pessoas?

A bexiga hiperativa é muito disruptiva para a qualidade de vida das pessoas. Uma pessoa que acorda oito vezes por noite para ir à casa de banho, por exemplo, vai ter distúrbios do sono complexos. Se a pessoa não consegue aguentar mais do que uma hora sem ir à casa de banho, imagine-se o que será uma viagem de carro ou de comboio de Lisboa até ao Porto. Portanto, a maior parte destas pessoas que têm bexiga hiperativa, sentem grandes repercussões na qualidade de vida e normalmente usam múltiplas medidas para minimizar o impacto. Pode chegar ao ponto de uma pessoa ter de recorrer ao uso de fraldas permanente ou outras proteções da roupa interior para não perderem urina em momentos que não são apropriados.

Quais são os tratamentos disponíveis e qual a sua eficácia?

Existem vários tipos de tratamento de acordo com as causas da bexiga hiperativa. O primeiro é modificar os hábitos de micção, ou seja, treinar a bexiga a aguentar maior quantidade de urina e não contrair face a pequenos estímulos. O segundo, é controlar a quantidade de água que se bebe. Se beber mais do que dois litros por dia é normal que a pessoa tenha de ir à casa de banho com mais frequência. Se beber muito pouca água, a urina pode ficar muito concentrada, só por si ser irritativa e desencadear estas crises. É importante beber regularmente pequenas quantidades de líquidos e tentar perceber se há alturas em que, reduzindo essa ingestão, se tem menos sintomas. Estas são as chamadas medidas de comportamento, têm alguma eficácia mas, como qualquer medida de comportamento, são difíceis de manter durante muitos anos.

Em relação aos tratamentos de primeira linha, temos os medicamentos orais, que interferem na sensibilidade da bexiga e nas suas contrações e reações de dor. Têm uma taxa de sucesso de quase 50% mas devem de ser mantidos ao longo do tempo, complementados pelas medidas comportamentais. Se assim não for, normalmente eles perdem a sua eficácia ao fim de alguns meses. Os tratamentos de segunda linha são tratamentos hospitalares feitos por equipas de urologistas ou uro-ginecologistas. A aplicação de alguns dispositivos que fazem a modelação da bexiga ou a injeção de toxina botulínica dentro da bexiga, são alguns desses tratamentos aplicados, quando os primeiros tratamentos falham.

Pode ser prevenida? Como?

É importante prevenir a bexiga hiperativa desde muito cedo. Primeiro, evitando a utilização de substâncias que possam aumentar as contrações da bexiga, como excesso de cafeína, stress e alimentos muito condimentados. Segundo, é importante evitar longos períodos sem urinar, pelo que se deve ir quatro a cinco vezes à casa de banho, evitando que a bexiga encha demasiado. Tratar precocemente ou evitar doenças que potenciam a bexiga hiperativa, como a obesidade, diabetes e doenças neurológicas, levam a menos casos de bexiga hiperativa.

AR/SS

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