Médica Especialista em Medicina Geral e Familiar e Professora Auxiliar do Mestrado Integrado Medicina na Faculdade de Ciências da Vida - UMa

Empoderar os cuidados de saúde primários: agora, mais que nunca

Quando elegemos um governo constitucional, esperamos que este, entre outras funções, assegure a saúde e a segurança como um direito de todos. Para o exercício deste direito, o SNS tem de estar funcionante, capaz e recomendável. Infelizmente verifica-se que este claudica, por vezes para, e como tal, não raras as vezes é motivo de fuga (de doentes e de profissionais de saúde).

O SNS não consegue responder às necessidades da população – idosos ficam “internados” nos corredores dos hospitais, sem cuidados de higiene básica e obviamente sem os cuidados de saúde que merecem e que lhes são legalmente devidos; doentes aguardam meses/anos por uma cirurgia, um exame, uma consulta…; grávidas não recebem cuidados de saúde especializados; doentes oncológicos enfrentam atrasos no diagnóstico e tratamento; os profissionais de saúde estão esgotados, sobrecarregados, desmotivados.

Os nossos representantes, sabem disto e são corresponsáveis por tudo isto, mas ao invés de assumirem e resolverem o ciclo de problemas, manipulam a opinião pública com falsos culpados e expectativas, e abalam a confiança entre os que devem tratar e os que precisam de ser tratados:

Dizer à população que terá acesso célere a consultas médicas nos Cuidados de Saúde Primários (CSP), oferecendo médicos recém licenciados em vez de médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar (MGF), não é correto. Equiparar um recém licenciado / mestre, a um médico especialista em MGF (que tem no mínimo, mais 4 anos de formação médica, e aprofundou/treinou as suas competências dentro de uma das especialidades médicas mais abrangentes, do mundo), não é correto.

Dizer à população que o problema das urgências e do fecho de alguns serviços (obstetrícia, pediatria…) resolver-se-á com um aumento do pagamento por hora, aos médicos, não é correto. Estes profissionais, para além das suas 40 horas de trabalho semanal, já trabalharam mais 150 horas extra e pedir-lhes que trabalhem mais, é colocar em risco a segurança dos doentes e dos profissionais de saúde. Quando não há condições para um SU manter-se aberto, é obvio que os serviços de internamento, o bloco operatório e o atendimento em consulta, também sobrevivem com graves lacunas.

Infelizmente, quem mais sofre é o utilizador (utente, cliente, doente ou paciente) que perante uma situação de doença, ou mal estar, quase que se sente forçado a recorrer à medicina privada. Esta situação, transforma o acesso a cuidados de saúde, num monopólio desesperante de quem tem recursos económicos e se vê obrigado a utilizar as suas reservas monetárias (fruto de esforços / poupanças diárias), num qualquer hospital / clínica privado (que responda (bem ou mal) às suas necessidades).

Um SNS eficaz, traz à população a segurança e tranquilidade que é ética e legalmente exigida pela Constituição Portuguesa. Quem nos representa tem de apostar na diminuição da carga da doença, e para isso, precisa, “Agora, e mais do que nunca1” dar aos CSP o empoderamento que este nível de cuidados precisa para aplicar as suas potencialidades.

Sabemos que CSP robustos, têm mais, ou a mesma probabilidade, que os cuidados hospitalares de identificar as doenças graves mais frequentes têm o mesmo nível de adesão a normas clínicas que os outros especialistas, prescrevem poucas intervenções invasivas, as hospitalizações da sua iniciativa são menos frequentes e mais curtas1 e as intervenções têm uma maior orientação para a prevenção. Tudo isto resulta em cuidados de saúde com custos totais mais baixos, com impactos na saúde pelo menos idênticos e com maior satisfação do doente. Esta evidência, não pode continuar a ser menosprezada, por quem tem na mão o poder da alocação de recursos, sejam eles materiais ou humanos.

Os Portugueses não podem esperar ser bafejados pela sorte (ter um equipamento que funciona naquele dia; um medicamento estar disponível na farmácia hospitalar; as portas do SU obstétrica estarem abertas; o médico não estar exausto; ainda existir a vaga do dia no CS / USF; haver uma cama disponível no internamento…), para terem cuidados de saúde dignos.

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