4 Fev, 2021

“Em dois anos, sentiremos o impacto”. Quebra nos rastreios de cancro faz temer o pior

Especialistas alertam que a falta de rastreios oncológicos (mama, cólon, colo do útero) vai originar doenças mais avançadas e mais difíceis de tratar.

Com receio da pandemia e com o acesso aos centros de saúde muitas vezes limitado, os portugueses afastam-se dos cuidados de saúde e os rastreios a vários tipos de cancro têm sofrido quebras consideráveis, impossibilitando o diagnóstico precoce – essencial para aumentar as hipóteses de sobrevivência dos doentes.

A Liga Portuguesa Contra o Cancro estima que mais de um “milhar de cancros, neste momento, têm atraso no diagnóstico”. Por causa do confinamento do ano passado, a que se veio juntar o de 2021, os rastreios ao cancro da mama, por exemplo foram interrompido durante três meses – seis meses no caso da região Norte. O ano passado terminou com uma diminuição para metade no número de mamografias realizadas em todo o país em relação a 2019 (menos 172 mil despistes). Já os rastreios aos tumores do colo do útero e do colorretal estão “praticamente parados”.

A quebra de 60 a 80% nos novos diagnósticos registada entre março e abril já levou a presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, Ana Raimundo, a defender a criação de uma ‘via verde’ no tratamento do cancro. “Os médicos de família devem ser libertados desse trabalho ligado à covid-19 para os centros de saúde para fazerem as consultas aos seus doentes. Depois, no caso dos doentes oncológicos, devia haver nos hospitais a ‘via verde’ oncológica”, diz a médica oncologista.

“Há uma demora maior na realização das endoscopias digestivas altas”, refere o coordenador da Unidade Digestivo Alto do IPO de Lisboa. Neste momento, com a quebra do número de doentes que chegam para tratamento (em consequência da redução dos diagnósticos), o IPO de Lisboa (uma unidade covid free) não tem listas de espera para tratar cancros do estômago e do esófago.

Impacto vai sentir-se dentro de poucos anos

“Estes diagnósticos que não são feitos em tempo útil serão feitos mais tarde e em fase mais avançada de doença, portanto, com menor potencial de cura e tratamentos mais complicados. Podemos prever que, sendo estes tumores diagnosticados em fases mais avançadas, vá haver dentro de três, quatro ou cinco anos um aumento da taxa de mortalidade por cancro”, prevê a especialista.

Ao SaúdeOnline, o presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos estima que o impacto se vá fazer sentir ainda mais cedo. “Desde março/abril que não temos programas de rastreios organizados de cancro da mama, do colo do útero, do cancro colorretal. Esses cancros não estão a ser detetados. Dentro de dois anos, sentiremos o impacto, com mais mortes por cancro e situações mais avançadas“, antecipa Alexandre Valentim Lourenço.

“O abrandamento dos programas de rastreio vai fazer com que nos próximos meses ou anos nós vamos voltar a ter formas de cancro avançado como já não víamos há décadas”, alerta o diretor clínico do Centro Champalimaud, António Parreira, ao Público.

Cirurgias também pararam em alguns casos

Com a paragem de grande parte da atividade assistencial por causa do agravamento da pandemia em janeiro, parte das cirurgias oncológicas têm sido adiadas. “As cirurgias oncológicas a doentes em estadios iniciais estão a ser adiadas e não sabemos por quanto tempo”, sublinha Alexandre Valentim Lourenço. “A cirurgia ainda é a arma que mais cura”, refere o diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, José Diniz, ao DN, lembrando que o “cancro não espera”. “O nosso receio é que, de repente, ao mesmo tempo, apareçam os cancros dessa altura e os de agora”.

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