Custos da saúde e opções políticas: O caso dos biossimilares
Professor de Reumatologia da Universidade Coimbra (UC)

Custos da saúde e opções políticas: O caso dos biossimilares

Diz-se que a saúde não tem preço, mas é forçoso reconhecer que tem custos!

Se queremos promover a melhor saúde para todos e manter o apoio social para este fim, teremos de ter em conta os custos envolvidos nas diferentes opções, fazer uma avaliação criteriosa da relação custo-benefício de cada opção e escolher, sem hesitações, aquela que nos traga melhores ganhos por melhor preço. É isto que esperamos ou exigimos dos nossos líderes, mesmo enquanto utilizadores individuais dos serviços de saúde, sem responsabilidade na gestão dos dinheiros públicos. Todos temos o direito de exigir que quem governa faça o melhor uso possível do dinheiro dos contribuintes, mesmo quando nos calha a nós.

Atribuir um custo justo a um certo grau de benefício é uma tarefa difícil na área da saúde: de que nos serviríamos para decidir quanto vale a diminuição das dores de um grupo populacional, quanto deveria pagar-se no máximo por salvar uma vida ou evitar a necessidade de uma cadeira de rodas? Esta tarefa complexa torna-se, contudo, facílima quando podemos obter o mesmo benefício por um custo mais baixo!

É o que se passa com os medicamentos designados por biossimilares.

Tratam-se de medicamentos que passam por um rigoroso processo de avaliação química e clínica, definido e coordenado pela Agência Europeia do Medicamento (EMA), com o propósito de demonstrar uma eficácia e segurança em tudo semelhantes aos dos medicamentos biológicos originais, aos quais devem ser comparáveis em eficácia, segurança e qualidade. São o equivalente, nestas moléculas complexas, ao que conhecemos por momentos de medicamentos genéricos. Os medicamentos biológicos representam um dos mais extraordinários avanços terapêuticos das últimas décadas, tendo alterado de forma radical o tratamento de muitas doenças de vários foros: da reumatologia à neurologia, pneumologia, dermatologia, oncologia etc. Foram introduzidos no mercado a preços mais elevados (por vezes classificados de “obscenos”), cuja justificação não cabe aqui debater. Mantiveram-se, e mantêm-se, com estes preços até que o desenvolvimento de biossimilares permitiu a introdução de alternativas em tudo idênticas a um preço muitíssimo mais baixo. Nalguns casos o preço por ano é hoje inferior a um quarto do que era antes dos biossimilares.  A poupança que daqui resulta pode e deve ser aplicada na facilitação do acesso de mais doentes a estes medicamentos valiosos, no acesso a novos fármacos inovadores ou simplesmente na resposta a outras necessidades em saúde.

Acumulámos, ao longo dos últimos anos, investigação suficiente com os biossimilares e com a regulamentação da EMA para apaziguar quaisquer preocupações quanto a real eficácia e segurança destes fármacos: não há qualquer fundamento para admitirmos que sejam diferentes dos fármacos originais em qualquer aspeto relevante para a saúde humana.

À luz do que fica dito, a opção pelo fármaco mais económico de entre os adequados à situação do doente torna-se um imperativo ético para todos os envolvidos: o médico, o doente, o regulador e o decisor, quer este exerça a sua autoridade a nível hospitalar ou nacional.

A aceitabilidade dos biossimilares pelos médicos tem vindo a crescer substancialmente em Portugal, justificando que estes fármacos ocupem uma percentagem cada vez maior do volume total de prescrições, permitindo poupanças substanciais para o erário Público. O ritmo aqui poderia e deveria, a nosso ver, ser muitíssimo mais rápido, à semelhança do que acontece noutros países europeus.

Para que isso suceda, será necessário e suficiente que os dirigentes políticos assumam esse desiderato, com base na evidência científica insofismável de que dispomos, e adotem as medidas regulamentares necessárias. Entre os exemplos que podemos recolher de outros países, conta-se a adoção de medidas de incentivo à prescrição de agentes biossimilares, revertendo a favor dos hospitais e dos serviços parte dos ganhos económicos que daí resultam. É o caso do Reino Unido, que tem taxas de penetração de biossimilares bastante mais elevadas do que as nossas. Um exemplo mais extremo vem da Noruega, em que se procede a uma negociação central das diversas alternativas terapêuticas adotando a mais económica como obrigatória em todo o país, salvo em casos excecionais. O resultado é uma mudança rápida e generalizada com a consequente poupança máxima. Não encontramos argumentos, científicos ou éticos, que nos permitam questionar a política adotada na Noruega! Não nos é fácil descortinar razões que impedissem a sua adoção no nosso país. Também nós temos previsto um sistema central de contratualização de preços. Contudo, é permitido depois desse processo, que cada administração hospitalar negoceie individualmente com cada um dos fornecedores, procurando a sua pechincha especial, em prejuízo do coletivo. O resultado é que cada hospital fornece um produto diferente e que muitos mantenham os velhos hábitos de prescrição, sem olhar ao custo ou decidam adotar estratégias intermédias (ex. só prescrever biossimilares a doentes novos), sem qualquer justificação científica ou económica.

Estamos em período de crise política por causa de um orçamento. Aqui fica uma pequena sugestão para que o próximo seja melhor do que os anteriores.

Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais