Covid-19: HP “parece não conferir maior risco de adquirir a infeção”
A Dr.ª Teresa Shiang faz um apanhado do que hoje já é possível oferecer aos doentes e lança um olhar sobre o caminho que ainda falta percorrer para alcançar o objetivo primeiro que é curar a doença
Quais têm sido os maiores avanços terapêuticos no tratamento da hipertensão pulmonar nos últimos anos?
Nas últimas duas décadas, na área da hipertensão pulmonar, assistimos a mudanças substanciais no campo da fisiopatologia, epidemiologia, algoritmos terapêuticos e prognóstico.
Dispomos atualmente de 10 fármacos, pertencendo a cinco classes farmacológicas diferentes e que atuam em três vias patogénicas (endotelina, óxido nítrico e prostaciclina).
Os progressos recentes registados em termos da terapêutica médica da HAP [hipertensão arterial pulmonar], não têm tanto a ver com a descoberta de novas vias patogénicas, mas devem-se sobretudo ao desenvolvimento de novas estratégias na terapêutica combinada e na escalada terapêutica orientada pelos objetivos.
A abordagem terapêutica atual baseia-se na severidade dos novos doentes com HAP determinada pela avaliação multidimensional de risco. A clínica, a capacidade de exercício, a função ventricular direita, os parâmetros hemodinâmicos e bioquímicos são combinados para definir o grau de risco – baixo, intermédio, alto – de mortalidade ao primeiro ano.
A forte associação entre a estratificação de risco, a estratégia terapêutica inicial e tratamento escalado no follow-up serve como o racional para a estratégia terapêutica baseada na severidade da doença e definida pela estratificação multidimensional de risco.
Na nossa prática clínica, um elucidativo algoritmo terapêutico fornece-nos a orientação em termos de estratégia inicial, incluindo monoterapia, numa minoria de doentes, e terapêutica combinada dupla ou tripla.
A escalada terapêutica é preconizada nas situações em que não se atinge o status de baixo risco no follow-up.
Que linhas investigacionais estão neste momento a ser desenvolvidas e que considera poderem trazer novidades ao tratamento desta condição nos tempos mais próximos?
Apesar do reconhecimento de disfunção numa multitude de processos celulares (vasoconstrição, proliferação celular, inibição da morte celular, inflamação, alterações imunes, alteração da função mitocondrial, alteração do metabolismo oxidativo), a patobiologia da HAP é complexa e ainda incompletamente compreendida.
Os avanços atuais em termos de fisiopatologia têm sido focados para a identificação de novas e mais específicas vias patogénicas para além do desequilíbrio das substâncias vasoativas.
Vários trabalhos recentemente efetuados têm fornecido novos insights na área da genética, nas vias da serotonina, inflamação, imunidade, metabólica, proliferativa e neurohormonais, sinalizando novas vias que podem vir a representar potenciais alvos de novas terapêuticas.
Para além da identificação de novos alvos terapêuticos, a investigação tem sido também orientada para o reconhecimento de novos biomarcadores, para a melhoria das técnicas de imagem (ressonância cardíaca, PET, ecocadiograma de rastreamento por “speckle”) com o objetivo de detetar a HAP em estádios mais precoces e de identificar rapidamente cenários de alto-risco.
Outras áreas de desenvolvimento podem estar relacionadas com o reconhecimento de que a HAP é uma doença heterogénea em termos fenotípicos e moleculares.
À medida que vamos aumentando o nosso conhecimento sobre os múltiplos endofenótipos da doença e sobre a farmacogenética, presume-se que a utilização do mesmo algoritmo terapêutico para todos os doentes, meramente estratificados pela classe funcional e risco, não será o paradigma do tratamento no futuro.
Assim, outra área de investigação tem a ver com avanços na fenotipagem: identificação de doentes respondedores aos diferentes tipos de terapêutica específica, desenvolvimento de ferramentas que ajudem a predizer a resposta e selecionar as terapêuticas, desenvolvimento de novos alvos terapêuticos.
Através de uma caracterização fenotípica cuidada e das análises da associação molecular com a farmacoterapia, será possível individualizar o tratamento e caminhar para o objetivo de tornar cada doente num “respondedor”.
Para além do desenvolvimento de linhas investigacionais, parece-me relevante destacar outras necessidades futuras, nomeadamente estudos prospetivos adicionais em diferentes subtipos de hipertensão arterial pulmonar, investigar o outcome dos doentes que tendem a ter melhor evolução ou deterioração, caracterizar as variáveis associadas a melhor prognóstico e tentar conhecer melhor a fisiopatologia e desenvolver opções terapêuticas para as outras formas de hipertensão pulmonar que são mais comuns e que têm forte impacto na sobrevida.
Os avanços verificados na HAP já permitiram melhorar a sobrevida, transformar a HAP em doença crónica, o objetivo futuro será curar a doença.
Relativamente à pandemia causada pelo novo coronavírus, que evidência já existe sobre o impacto da infeção pelo SARS-CoV-2 na função pulmonar dos doentes com hipertensão pulmonar?
Os dados relativos a casos de SARS-CoV-2 em doentes com Hipertensão Pulmonar são ainda limitados.
Esta patologia parece não conferir maior risco de adquirir a infeção, mas sim causar um curso mais grave nalguns doentes.
Isto pode ser justificado pela menor capacidade de resposta fisiológica à infeção e ao próprio processo fisiopatológico da infeção pelo SARS-CoV-2.
No entanto, devemos ser cautelosos quanto a esta análise uma vez que a pandemia ainda persiste, o nosso conhecimento sobre este novo coronavírus é recente e a comunicação de novos dados e publicações continua a ocorrer.
Em termos fisiopatológicos, é reconhecido o papel da ACE2 como recetor funcional do coronavírus nas células epiteliais.
A ACE2 catalisa também a conversão da angiotensina II em angiotensina, havendo evidência suficiente a suportar o possível papel protetor da ACE2 numa série de doenças pulmonares.
Os doentes com hipertensão pulmonar apresentam níveis reduzidos de ACE2.
É pouco claro ainda, se os níveis reduzidos de ACE2 na hipertensão pulmonar podem ser um fator protetor ou se, pelo contrário, podem facilitar a lesão pulmonar na COVID-19.
Quais são os maiores desafios no tratamento do doente com hipertensão pulmonar infetado com o novo coronavírus?
Os portadores de doenças cardiovasculares, como é o caso da hipertensão arterial pulmonar apresentam um maior risco de desenvolver formas severas da COVID-19.
Nestes doentes, a terapêutica dirigida à COVID-19, a tempestade de libertação de citoquinas e a correção da hipoxemia constituem um desafio terapêutico.
A oxigenação adequada é fundamental tendo como objetivo-alvo, saturação de O2 > 90%.
A entubação deve ser evitada, quando possível, uma vez que a ventilação com pressão positiva aumenta a pressão intratorácica, reduzindo o preload do VD.
A sedação pode afetar igualmente a função cardíaca, causar vasodilatação, hipotensão sistémica e colapso hemodinâmico.
Uma gestão adequada dos fluídos, a redução das pressões de preenchimento venoso e a normalização do débito cardíaco são essenciais na abordagem destes doentes.
RV/SO