Opinião | Contagem atrapalhada
Subdiretor do SaúdeOnline

Opinião | Contagem atrapalhada

Uma mulher sofre um AVC em casa e é transportada para um hospital da zona de Lisboa. À entrada, faz um teste ao SARS-CoV-2. Positivo. É, de imediato, internada numa ala covid, ainda que não apresente manifestações da doença. Foi uma situação recente que me foi relatada por uma pessoa próxima. Mais um caso que a DGS considera como ‘internamento covid’, agigantando, assim, de forma leviana, os números do boletim que os media divulgam todos os dias. Será esta forma de contabilização da dimensão da pandemia em Portugal (não só em relação aos internados mas também às vítimas mortais), uma inevitabilidade?

No que diz respeito aos internamentos, e depois de responsáveis hospitalares terem revelado (quando contactados pela comunicação social) que uma boa parte – nalguns casos mais de metade – dos doentes internados em ‘enfermarias covid’ tinham dado entrada no hospital por outras causas, o Ministério da Saúde veio esclarecer que são afinal 40%. Segundo a tutela, em janeiro do ano passado, estes casos representavam 20% do total dos internamentos. Ou seja, no dia 28 de janeiro de 2022, entraram, de forma errada, cerca de 900 internamentos por Covid-19 nas contas. Nem a DGS nem o Ministério parecem ter intenção de alterar este método de contagem.

Já quanto às mortes, a situação é menos clara. A DGS garante que, ao contrário do que acontecia em 2020, todas as mortes contabilizadas agora nos boletins diários correspondem a óbitos provocados diretamente pela covid-19. Contudo, no terreno, isso não corresponde inteiramente à realidade. Há hospitais com diferentes critérios na avaliação da causa da morte de um infetado com SARS-CoV-2, o que acaba por influenciar os reportes que as unidades fazem diariamente e, claro, os dados do boletim. O intensivista Roberto Roncón, do São João, admite que “em regra” a morte de um internado da ala Covid-19 é atribuída à covid-19 e não à causa da hospitalização. Uma boa prática?

Uma coisa é certa: faltam óbitos por outras causas, o que, no inverno, é bizarro – já que estamos na época do ano que tem, em regra, maior mortalidade. Partindo da premissa de que a mortalidade não está a diminuir em Portugal, estarão esses óbitos a ser contabilizados como mortes por Covid-19, inflacionando os números do boletim? Depois de quase dois anos de pandemia, e sabendo-se que o governo olha essencialmente para estes dois indicadores (internamentos e mortes) quando se trata de tomar medidas que afetam diretamente a vida das pessoas, é altura de pedir, no mínimo, o máximo rigor.

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