29 Out, 2021

AVC. Acesso à reabilitação foi afetado pela pandemia e dificuldades mantêm-se

Em entrevista, a neurologista e diretora do Serviço de Neurologia do Hospital de São João afirma que a "a adequação às normas de segurança [relacionadas com a pandemia] levou a uma diminuição do número de utentes tratados". Cerca de 35% dos sobreviventes têm necessidade de reabilitação precoce intensiva.

Foto: RaioX

Já é possível fazer um balanço em relação ao impacto da pandemia na reabilitação das pessoas que sofreram um AVC? Qual é a realidade, a este nível, no Hospital de São João?

Previamente à pandemia por COVID-19 a acessibilidade aos cuidados de reabilitação por parte dos sobreviventes de AVC já era precária e não equitativa. A pandemia veio agravar a acessibilidade aos cuidados de reabilitação em geral, e em particular aos sobreviventes de AVC.

Durante os períodos de maior pressão do SNS, devido à pandemia, assistiu-se globalmente a um significativo aumento da dificuldade na acessibilidade aos cuidados de reabilitação, nomeadamente aos cuidados de reabilitação integrais nos hospitais do SNS. Tal deveu-se, em parte, ao desvio de recursos humanos, e nalguns hospitais mesmo ao desvio das instalações da medicina física e de reabilitação (MFR), para cuidados diretos aos doentes COVID.

Contudo, conforme orientações internacionais, nomeadamente da Organização Mundial de Saúde, a Reabilitação deve ser integrada no plano nacional de emergência para a Covid 19, não só porque é fundamental nas formas graves da doença (que pode incluir envolvimento cerebrovascular), mas porque várias outras condições (em que se incluiu o AVC) veem a morbilidade e mortalidade aumentada se for reduzido ou cessado o acesso à Reabilitação.

Entretanto, felizmente, o panorama tem melhorado, embora tenha continuado a existir alguma dificuldade na acessibilidade a cuidados de reabilitação integral ao sobrevivente de AVC, nos sectores convencionado, social e privado, nomeadamente porque a necessidade de adequação às normas de segurança levou a uma diminuição do número de utentes tratados por unidade de tempo.

Considera que a reabilitação continua a ser negligenciada em Portugal? Que percentagem dos doentes que necessitam de reabilitação tem efetivamente acesso a ela?

A Reabilitação tem de facto ainda muitas carências entre nós. Embora se assista a uma melhoria, há carência de profissionais, de camas específicas para internamento de reabilitação especializada, mas também de estruturas para tratamento ambulatório.

Cerca de 35% dos sobreviventes de AVC têm necessidade de reabilitação precoce intensiva multimodal, mas efetivamente apenas uma minoria, infelizmente, tem acesso a esta qualidade de reabilitação, e em tempo útil.

O que poderia, a este nível, ser feito para melhorar o acesso e a articulação entre os cuidados, por exemplo?

É essencial que não haja hiatos na reabilitação do sobrevivente de AVC que ficou com sequelas, sobretudo na fase subaguda do AVC em que a resposta ao tratamento é maior. O doente deve iniciar reabilitação logo na fase aguda e ter continuidade enquanto dela precisar, com orientação por médico de MFR e com programa que inclua as várias modalidades de reabilitação adequadas ao seu caso. Não deve haver compassos de espera sem reabilitação enquanto aguarda transferência para unidade de reabilitação ou quando passa a tratamento ambulatório.

Mesmo para os doentes que precisem de reabilitação precoce intensiva multimodal, aqueles que têm suporte familiar poderiam ser candidatos a reabilitação em regime de hospital de dia, fazendo tratamento durante o dia e dormindo em casa.

Penso que a domiciliação da reabilitação deverá ser desenvolvida, para os casos em que se adeque, permitindo minimizar tempo de internamento e proporcionar que o doente se mantenha no seu domicílio, na companhia da família, desde que sem prejuízo do esquema de tratamento.

Em alguns casos poderá recorrer-se a telerreabilitação, por exemplo em terapia da fala e terapia ocupacional para determinadas técnicas/objetivos, mesmo que em modelo misto, permitindo por exemplo que o doente faça na unidade de reabilitação fisioterapia em parte da semana e em casa por telerreabilitação outras modalidades.

Considerando a reabilitação num sentido mais lato, incluindo a reinserção familiar, social e profissional, nomeadamente no caso de AVC em adulto jovem, é essencial desenvolverem-se estruturas para facilitar esta reinserção, e nomeadamente para devolver sempre que possível o sobrevivente a uma atividade profissional, ainda que eventualmente adaptada, mas que lhe seja gratificante.

Qual a taxa de sucesso da reabilitação pós-AVC se for feita de forma adequada?

Não é fácil responder a essa pergunta, porque depende do caso e da deficiência em causa. Mas, por exemplo, pensando em casos com incapacidade importante, uma reabilitação intensiva dentro dos primeiros 6 meses pode em 85% dos casos permitir a marcha em doentes que não a conseguiam fazer.

Preocupa-a as consequências que a falta de acesso à reabilitação pode trazer aos doentes?

Por tudo o que disse, preocupa-me muito que haja falta de acesso a reabilitação quando necessária, pois perde-se o intervalo de tempo em que é mais eficaz e aumenta-se a incapacidade permanente com custos pessoais a vários níveis, mas também públicos, demasiado elevados.

TC/SO

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