Arrependo-me de ser MF? Nunca! – Os que acreditam numa ideia são incapazes de desistir!
A Universidade não nos ensina a ser Médico de Família (MF)! Apesar de um crescimento recente, envergonhado, do papel da Medicina Geral e Familiar (MGF) nas escolas Médicas, a verdade é que ao longo da nossa formação somos talhados para tratar a Tensão Arterial>140/90mmHg, esquecendo, muitas vezes, de tratar a montante as verdadeiras causas dessa hipertensão e a complexidade das circunstâncias individuais do doente, como o impacto físico e psicológico da doença de um familiar, do desemprego, do luto, da pobreza… O modelo biopsicossocial é esquecido!
A MGF não foi uma escolha ab initio e só o estágio de MGF no ano comum, numa USF Modelo B a viver a reforma dos CSP, onde a satisfação de profissionais e utentes era avaliada e superava tudo, onde cada um sabia o seu papel e desempenhava-o com alegria, aliado ao facto de ser uma especialidade onde não teria de saber muito sobre pouco, mas muito sobre quase tudo, tornou clara a decisão – MGF naquela USF.
Já especialista, enfrentei a realidade de trabalhar numa UCSP em convalescença. Seria fácil desistir e bater à porta da “medicina paga” pedindo emprego. A minha paixão pela MGF e pela reforma dos CSP coagiu-me a lutar e a transformar desorganização em processos organizados, quantidade em qualidade, insatisfação dos doentes e profissionais em satisfação, fuga e medo em coragem e renovação, ajudando a construir uma USF, convencendo colegas novos e mais velhos a acreditar que era possível fazer mais e melhor com felicidade.
Apesar de, ao longo do tempo, verificarmos que os obstáculos externos se perpetuam: informática caótica, obsoleta e desintegrada no seu esplendor, Utentes sem MF, carreiras profissionais que teimam em não existir, dificuldade em conciliar trabalho com vida pessoal, desintegração entre CSP e Hospital, crescente demanda de intervenções dos CSP, limitações de recursos humanos e financeiros…não trocaria a MGF.
Aos Médicos de Família recém-formados quero transmitir uma mensagem clara – não desistam! Somos mesmo a porta de entrada no SNS da maioria da população em Portugal e muitas vezes a única porta aberta. O nosso papel é cada vez mais importante, como prestadores e gestores de cuidados e recursos e por isso cabe-nos lutar por uma valorização da carreira Médica e do papel do MF com uma aposta clara nos recursos humanos com melhores condições laborais, salários justos e um ambiente de trabalho que promova o bem-estar e a satisfação pessoal e profissional.
Precisamos de políticas que incentivem os jovens médicos a escolher a MGF, oferecendo uma formação adequada, oportunidades de desenvolvimento e um ambiente que respeite e valorize o trabalho. A retenção destes profissionais no SNS deve ser uma prioridade.
As USF são a imagem da única reforma verdadeiramente feita na saúde, e pelos profissionais, em Portugal. São o habitat perfeito para aqueles que acreditam na MGF, no trabalho em Equipa, na partilha e na prestação de cuidados de qualidade!
Ser MF é um privilégio, mesmo em tempos conturbados como os que vivemos. Acredito mesmo que, com paixão, perseverança, compromisso com a mudança e alguma resiliência e luta, podemos transformar as nossas vidas, mas essencialmente as dos nossos utentes/doentes. Juntos vamos conseguir fazer a diferença e no final do dia acreditar que escolhemos a melhor especialidade!
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