Afinal porque não deixo de fumar?
No âmbito do Dia Mundial do Não Fumador, que se celebra a 17 de novembro, Raquel Calisto, do Núcleo de Estudos de Doenças Respiratórias da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), escreve um artigo de opinião.
Esta semana vou ser mãe de uma criança. Esse bebé em 2040 fará 17 anos. Mais de 80% dos fumadores começa a fumar pelos 18 anos e praticamente todos os fumadores fumavam já pelos 26 anos. Com o objetivo de contribuir para uma geração livre de tabaco até 2040, foi aprovada uma alteração à lei do tabaco com implicações a partir de outubro de 2023, em que se incluem novas restrições para fumadores e mais dificuldade no acesso ao tabaco.
Em Portugal, tal como no resto da Europa, temos vindo a reduzir o número de fumadores. Dados do Eurostat de 2023 mostram que 16,8% da nossa população jovem e adulta (>15 anos) fuma diariamente; em 2020 esta percentagem era de 21% e em 2006 de 24%. Ainda temos a fazer um percurso grande até alcançar uma geração sem tabaco. Os fumadores sentem-se melindrados com o agravamento de medidas restritivas e têm dificuldade em aceitá-las numa sociedade que se quer livre e com direitos. Fumar passou de ser o centro de um momento social/cultural para poder tornar-se um motivo de exclusão social.
Neste dia mundial do não fumador é fundamental refletir sobre “afinal porque não deixo de fumar?”
1 – Fumar ainda é a causa mais importante de morte prematura no mundo de hoje
O pai do meu bebé perdeu o seu próprio pai quando tinha 16 anos. Perdeu-o para um cancro do pulmão aos 47 anos, era fumador. Sabe-se que cerca de dois terços das causas de morte nos fumadores são atribuíveis ao consumo do tabaco e que, em média, um fumador vive menos 14 anos do que um não fumador. Estima-se ainda que, em 2019, tenham ocorrido, em Portugal 13 500 mortes atribuíveis ao tabaco. Dirão os mais audazes que temos todos de morrer de alguma coisa, o que é verdade. Mas também é verdade que todas estas mortes prematuras são mais do que números. Foi um pai, uma mãe, uma grande amiga, um irmão que se perderam muito mais cedo. 14 anos a menos numa vida são muitos anos, e fazem muita falta a quem os rodeia.
2 – O tabaco faz mal aos pulmões, mas não só
O tabaco é o único fator de risco comum a quatro das principais doenças crónicas em Portugal: cancro, doença respiratória obstrutiva crónica, diabetes e doenças cérebro e cardiovasculares (AVC e enfarte do miocárdio). A maioria das pessoas associa os malefícios do tabaco à doença pulmonar, mas o tabaco afeta quase a generalidade dos órgãos. Fumar causa dano na pele, nas artérias, contribuindo como fator para a aterosclerose que levará ao AVC e ao enfarte; causa danos nos ossos, nos dentes, no sistema reprodutor e prejudica a função sexual associando-se à diminuição da líbido, impotência sexual e infertilidade. Aumenta também o risco de cancro no pulmão, língua, laringe, bexiga, esófago e rins. Nunca é tarde para deixar de fumar, reduz-se sempre o risco de desenvolver uma doença associada ao tabaco relativamente ao risco que teria se se continuasse a fumar.
3 – Porque não é fácil deixar de fumar?
Até metade dos fumadores já tentaram deixar de fumar pelo menos uma vez, sem sucesso. Os produtos derivados do tabaco têm um componente que causa dependência, a nicotina. A nicotina intervém no sistema de recompensa cerebral ativando a libertação de dopamina no cérebro o que se associa a sensação de bem-estar. O consumo regular de tabaco e de nicotina hiperativa esse sistema de recompensa o que faz com que se torne difícil deixar de fumar. A redução do consumo de nicotina num fumador associa-se a irritabilidade, ansiedade, depressão, aumento do apetite e distúrbio do sono.
4 – Peça ajuda para deixar de fumar
Deixar de fumar é importante para si e para os seus. Há imensos motivos para o fazer, incluindo os financeiros. Partilhe com os seus familiares e amigos mais próximos que gostava de deixar de fumar. Estabeleça uma data para parar. Procure ajuda junto do seu médico para compreender melhor este processo e eventualmente adicionar um substituto da nicotina ou outra classe de fármacos que o ajude. Envolva os seus familiares e amigos neste processo que certamente o ajudarão a ultrapassá-lo. Terá mais anos para viver com saúde junto dos seus e não há melhor recompensa do que essa.
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