A linguagem dos sintomas
Psicóloga

A linguagem dos sintomas

“Sou uma pessoa muito ansiosa. Sempre fui uma pessoa muito calma e tranquila e de um momento para o outro comecei com crises de ansiedade. Preciso de resolver isto rapidamente.”

42 anos

“O meu amigo agora vai ao psicólogo. Está com a esperança de que vai lá uma vez e sai de lá com tudo resolvido. Tenho de lhe explicar que estas coisas levam tempo. Os sintomas vão aliviando à medida que o processo vai andando. Temos de colaborar deste lado, se não… “

16 anos

“A maioria das vezes o que aparece à superfície é o que se sente. Mas depois começam a surgir os problemas relacionados com as questões identitárias. Muitas vezes as coisas acontecem ao contrário”

Coimbra de Matos, 2013

 

 

Cada vez mais as pessoas que nos procuram, procuram porque começaram a sentir coisas ou que não sentiam, ou que sentiam, mas ganharam uma intensidade muito maior nos últimos tempos, ou porque têm pensamentos que as deixam inquietas, ou comportamentalmente alguma coisa se modificou (e não conseguem encontrar um significado para esta alteração). São diversos os motivos que levam as pessoas a procurarem acompanhamento psicoterapêutico, de forma mais ou menos transversal, porque surge um sintoma (porque existe uma dor, física ou mental). A expectativa, muitas das vezes, parece ser a de uma resolução ou transformação rápida. Existe um nível de desconforto acentuado e a pessoa quer que ele desapareça naturalmente.

Os sintomas, sejam eles de que natureza for, surgem como forma de traduzir algo que não tem a ver, diretamente com o sintoma físico ou mental. É quase como se pudéssemos olhar para o sintoma como a erva daninha que fica na superfície, que é visível, mas que cresceu de uma raiz (raiz esta que tem uma outra coisa, uma história, uma experiência, uma vivência, uma emoção, um pensamento…). Todo este processo, tem uma função, ou seja, o sintoma surge com uma função. E, muitas vezes, provêm de um conjunto de outras coisas que não conseguimos lidar ao longo da vida – as nossas vivências emocionais ativam um conjunto de processos em nós que geram os tais sintomas. Também estes podem aparecer como forma de nos defendermos de determinada situação ou acontecimento, como se fosse o recurso disponível que nos permite lidar com um acontecimento, sentimento… Como se pudessem ser os mensageiros, que trazem à nossa consciência a realização de que alguma coisa não está bem connosco.

Recordo um paciente que vem às primeiras consultas porque tinha um trabalho final de curso para apresentar e andava sem dormir. Tinha imenso medo de apresentações orais e com público, ficava num estado de ansiedade que gaguejava, transpirava, sentia que o coração lhe ia saltar pela boca e que a qualquer momento poderia desmaiar. As noites já há dois meses que andavam a ser complicadas, acordava de hora em hora e não conseguia ter um sono tranquilo e descansado. O pedido é a resolução dos problemas de sono a ajuda na preparação para a apresentação do trabalho final de curso. À medida que vamos caminhando começamos a perceber que existe uma relação bastante duradoura que tinha terminado, na sequência de uma traição, um sentimento enorme de inferioridade em relação aos outros, uma inveja e uma zanga em relação ao irmão mais novo (que sempre tinha sido o centro das atenções em casa). Bem, no fundo uma agressividade que não podia ser vivida nas relações e um sentimento de desamparo e de estar sozinho no mundo…

Com isto pretendo ilustrar que o sono, por exemplo, era apenas uma manifestação de uma mal-estar maior ou mais profundo…

Sendo os sintomas a manifestação mais visível, consciente, mas também dolorosa de algo que se está a passar dentro de nós, a “libertação” ou “desaparecimento” do mesmo não significa, necessariamente, resolução do problema. Significa, por vezes, que estamos mais capacitados e disponíveis para poder continuar o caminho até à compreensão de todo o processo que levantou ou desencadeou o ou os sintomas.

Um processo psicoterapêutico “bem-sucedido” ou “com resultados” requer tempo para perceber, disponibilidade para olhar e cuidar e também aceitar, as coisas boas e más que fomos vivenciando.

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