A liga dos últimos, ou a falácia da média
Especialista em Medicina Geral e Familiar

A liga dos últimos, ou a falácia da média

“”Don’t worry, Marge. America’s health care system is second only to Japan, Canada, Sweden, Great Britain, well, all of Europe, but you can thank your lucky stars we don’t live in Paraguay!” – Homer Simpson

A identidade de uma população é bem avaliada pela forma como trata os mais frágeis, excluídos. Os que “não são sistema”. As minorias, os imigrantes, aqueles que por terem uma atividade diferente da média não encaixam num determinado padrão mais típico.

Em saúde, a identidade de um sistema de saúde é ilustrada, muitíssimas (demasiadas) vezes pela forma como trata o seu “cliente” médio. Por exemplo, se o cliente médio de um sistema de saúde privado é a pessoa com um seguro de saúde o sistema dá resposta na medida do custo-benefício calculado para aquele cliente tipificado. Nem mais, nem menos.

No entanto, esta avaliação é mais complexa se pretendemos avaliar um sistema de saúde universal e tendencialmente gratuito. Se a ideia é dar saúde a todos, a um país inteiro, qual é o “cliente típico”? Qual é o custo-benefício adequado tendo em conta que não se pode dar tudo a todos?

Nestes contextos evoluiu-se para uma tipificação de vários perfis: as crianças, as grávidas, os idosos, as pessoas com doença crónica, etc. E, dentro de cada um destes perfis, definiram-se padrões de sucesso na prevenção, tratamento e controlo de diversos indicadores chave.

Mas então como podemos saber se estamos a ter sucesso num determinado perfil? Habitualmente pela comparação com indicadores de outros países – mortalidade, cura, controlo, etc. E, quando se faz a análise desta comparação ouvimos frequentemente, que estamos acima ou abaixo da média europeia para um valor de mortalidade ou controlo de uma determinada doença.

E aqui começa a liga dos últimos.

Em saúde, a insistência na comparação com aqueles “que estão na média” pode ser uma falácia com resultados desastrosos no médio-longo prazo.

Um país pequeno, com recursos económicos escassos, mas com profissionais altamente qualificados na área da saúde tem que fazer benchmarking com aqueles que estão no topo. Porque, se não o fizer continuará a ser pequeno, pobre e, para além disso com uma população com uma saúde frágil.

E esta população não será capaz de competir com a que vem de países maiores, mais ricos e, estruturalmente mais saudáveis.

E aqui a resposta que se ouve habitualmente é: “não temos dinheiro para isso”.

Sobre isto apenas 2 exemplos: na Áustria o índice de controlo da Hipertensão Arterial (HTA) foi melhorado significativamente através do envolvimento das farmácias de comunidade na avaliação e controlo das pessoas com HTA; no Reino Unido foi introduzido um sistema de pay-for-performance para a melhoria do controlo da HTA, não sendo ainda possível determinar se este incremento no pagamento dos profissionais envolvidos é suficiente para melhorar significativamente os índices de controlo.

Em saúde, a comparação tem que ser com o top 5% e não com a média. É absolutamente necessário estudar as estratégias utilizadas para prevenir e controlar as grandes patologias crónicas – HTA, dor crónica, diabetes – e adaptá-las de uma forma ágil ao nosso contexto.

É absolutamente imprescindível utilizar a agilidade de sermos um país pequeno e com profissionais de qualidade para transformar as boas ideias já existentes em projetos da saúde 3R: rápidos, robustos e replicáveis.

Deixarmos de ser a média e passarmos a estar na moda: pela inovação, qualidade e capacidade transformativa.

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