Prevenção de Recaídas: Além da força de vontade
Psicóloga Clínica e da Saúde, com experiência profissional na área das Dependências; Cocoordenadora e Autora do livro Dependências - Manual de Intervenção Psicológica (PACTOR)

Prevenção de Recaídas: Além da força de vontade

No percurso da recuperação da dependência de substâncias, a abstinência é apenas o início. O verdadeiro desafio é manter-se abstinente e é aqui que a prevenção de recaídas se torna essencial.      Mais do que um conjunto de regras ou um apelo à força de vontade, a prevenção de recaídas deve ser entendida como uma abordagem estruturada e integrada, que combina estratégias clínicas, psicológicas e de mudança comportamental, ajustadas às motivações, vulnerabilidades e recursos de cada pessoa.

Fortalecer a adesão ao tratamento — psicoterapêutico e, quando indicado, farmacológico — é um dos pilares. A monitorização regular, através de sessões de psicoterapia, grupos terapêuticos e redes de suporte (como família e pares saudáveis), oferece estrutura e previsibilidade. Estes elementos criam um espaço seguro onde é possível reconhecer dificuldades antes de se evoluir para recaídas.

Estas estratégias articulam-se com intervenções psicossociais que visam reforçar competências de regulação emocional, reorganização de rotinas, reconstrução de laços afetivos e reintegração em contextos sociais saudáveis. A prevenção de recaídas é, assim, um processo contínuo, dinâmico e humanizado, em que cada intervenção é pensada em função dos recursos e vulnerabilidades da pessoa.

É importante desconstruir a ideia de que a recaída é um fracasso. Pelo contrário, é parte natural do processo de recuperação. Estudos demonstram que a maioria das pessoas em tratamento experiencia pelo menos uma recaída. É essencial compreender, acolher e intervir.

Do ponto de vista psicológico, a recaída raramente ocorre de forma súbita, pois é precedida por sinais de alerta, como alterações emocionais (irritabilidade, tristeza ou euforia), desorganização de rotinas, idealização do consumo e negligência das estratégias de coping. Identificar estes sinais precocemente é essencial.

As intervenções mais eficazes assentam na identificação de situações de risco específicas — contextos, estados emocionais ou dinâmicas interpessoais associadas ao consumo. Como estes fatores variam de pessoa para pessoa, o trabalho terapêutico deve ser sempre individualizado. É também fundamental desenvolver competências como a gestão de stress, regulação emocional, assertividade e reestruturação cognitiva. Estas ferramentas ajudam a resistir ao impulso de consumir e a responder de forma mais funcional às necessidades.

Outro aspeto crítico prende-se com pensamentos disfuncionais, como “é só desta vez” ou “já consigo controlar”, que funcionam como gatilhos para a recaída. Estas crenças devem ser alvo de intervenção terapêutica, sendo a terapia cognitivo-comportamental particularmente eficaz neste domínio, ajudando a construir uma visão mais realista e protetora. A prevenção de recaídas deve, portanto, ser encarada como um processo ativo e contínuo e não como a fase final do tratamento, pois envolve mudanças profundas e a construção de uma nova relação com o prazer, a dor emocional, o tempo e a responsabilidade.

É essencial abandonar a ideia de que a dependência se resume a uma questão de escolha. Exige uma intervenção multidisciplinar e o envolvimento de redes de suporte, bem como o reconhecimento da complexidade emocional, neuropsicológica e comportamental que está na base da vulnerabilidade ao consumo. Este olhar integrador sobre a prevenção de recaídas é aprofundado na obra Dependências – Manual de Intervenção Psicológica (PACTOR), que reúne contributos essenciais para quem trabalha na área das dependências.

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