17 Dez, 2018

2018 em revista: Governo sacrificou um ministro mas não conseguiu parar contestação

O ano de 2018 voltou a ser marcado na área da saúde pela contestação dos profissionais do setor, que custou a substituição do ministro em outubro, culminando com uma greve inédita de enfermeiros que ameaça prolongar-se.

Greve “cirúrgica” adiou milhares de cirurgias e pode continuar em 2019

Um grupo de enfermeiros iniciou uma recolha de fundos ‘online’ para a marcação de uma greve prolongada nos blocos operatórios de cinco dos maiores hospitais públicos do país, reunindo 360 mil euros, e que lhes permitiu convocar uma paralisação, com o respaldo de dois jovens sindicatos, entre 22 de novembro e o final do ano.

A greve já levou ao cancelamento de cerca de cinco mil cirurgias programadas no Centro Hospitalar Universitário de S. João (Porto), no Centro Hospitalar Universitário do Porto, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte e no Centro Hospitalar de Setúbal.

A ministra da Saúde, Marta Temido, classificou esta greve como “cruel, porque se vira contra os mais fracos”, e assegurou que as cirurgias serão reprogramadas para o próximo ano, admitindo a possibilidade de ter de recorrer aos serviços privados.

Em causa estão queixas sobre a falta de valorização dos enfermeiros e sobre as dificuldades das condições de trabalho no Serviço Nacional de Saúde (SNS), pretendendo uma carreira, progressões que não têm há 13 anos, bem como a consagração da categoria de enfermeiro especialista, matérias que estão em negociação com as estruturas sindicais, mas ainda sem acordo.

O movimento de enfermeiros desencadeou aliás uma nova recolha de fundos, com a meta de 400 mil euros até 14 de janeiro, com vista à marcação de mais uma paralisação prolongada no início de 2019.

A contestação ao executivo, na forma de greves, manifestações e vigílias, estende-se a outros profissionais de saúde, como técnicos de diagnóstico, tendo em comum com os enfermeiros reivindicações de carreira, e médicos, que se queixam do subfinanciamento do setor e falta de quadros.

Passagem às 35 horas obrigou a contratar e provocou dificuldades em muitos serviços

As carências na área da Saúde, com impacto na qualidade do atendimento, foram especialmente visadas por sindicatos e ordens profissionais com a redução, desde 01 de julho, de 40 para 35 horas semanais de trabalho no setor, apesar de o executivo desvalorizar o que apontou como “casos pontuais” e do compromisso em fazer duas mil contratações, um número que os administradores hospitalares consideraram então que não chegava para metade das necessidades.

As críticas sobre as condições de trabalho marcaram o último verão, com demissões em série ou ameaças no mesmo sentido de diretores de serviços e médicos das urgências de várias unidades hospitalares.

A Ordem dos Médicos e a Ordem dos Enfermeiros têm sido duas estruturas particularmente críticas da atuação do Ministério da Saúde, mas não estão isoladas.

Movimento “SNS in Black” deu o tiro de partida para um ano marcado por dezenas de demissões em vários hospitais

Este ano surgiu em Portugal um movimento que engloba vários profissionais, além de médicos e enfermeiros. O “SNS in Black” pretende ser um “lado B do SNS”, denunciando situações concretas, sobretudo através das redes sociais.

Denominando-se como um movimento espontâneo de cidadania que “rejeita ser cúmplice da destruição do Serviço Nacional de Saúde”, às sextas-feiras estes profissionais vestem-se de negro e colocam crachás com a inscrição alusiva ao movimento, uma forma de manifestar o seu descontentamento “sem prejudicar os utentes”.

Debaixo de fogo dos sindicatos, ordens profissionais e oposição, Adalberto Campos Fernandes foi substituído, a 14 de outubro, no cargo de ministro da Saúde por Marta Temido, ex-administradora do Hospital da Cruz Vermelha e ex-presidente da Administração do Sistema Central de Saúde, apesar do seu discurso recorrente de otimismo e promessas de investimentos em novos hospitais e 133 centros de saúde e contratações.

Mudança do Infarmed para o Porto caiu por terra

Outro dos assuntos que marcou 2018 foi a tentativa de transferência do Infarmed de Lisboa para o Porto, após esta cidade ter perdido a candidatura à sede da Agência Europeia do Medicamento.

A medida teve forte oposição da presidente do Infarmed e da maioria dos trabalhadores e, embora o Governo tenha sempre garantido que a Autoridade do Medicamento seria mudada para o Porto, o ministro da Saúde acabou por remeter a decisão final para uma comissão parlamentar sobre descentralização, o que foi interpretado na generalidade como o fim do assunto.

O Orçamento do Estado (OE) para 2019 na área da saúde, aprovado em Conselho de Ministros na véspera da demissão de Adalberto Campos Fernandes, prevê 10.922 milhões de euros para gastar, o que corresponde a um aumento de 5%, mais 523 milhões de euros face ao estimado para 2018.

Onze hospitais públicos vão ter um novo modelo de financiamento que passa por responsabilizar os gestores mediante o seu desempenho, enquanto outras unidades menos eficientes vão ser acompanhadas por peritos em gestão hospitalar.

O Governo compromete-se ainda a rever a lista de utentes atribuída a cada médico de família, mas só quando for alcançada a cobertura de 99% de utentes com médico atribuído, uma medida contestada pelos profissionais, que ambicionam uma rápida redução para 1.500 doentes por clínico, e a rever os tempos máximos de resposta garantidos em consultas e cirurgias para diminuir os tempos de espera.

Lei de bases mantém taxas moderadoras e PPP

Já em dezembro, o Governo aprovou a proposta de uma Lei de Bases da Saúde, fazendo alterações ao anteprojeto da Comissão de Revisão, presidida pela ex-ministra Maria de Belém Roseira, assumindo que queria incorporar a visão da nova equipa ministerial.

A proposta do Governo prevê a eliminação de apoios do Estado ao setor privado quando em concorrência com o público, bem como à mobilidade de profissionais entre o público e o privado, evoluindo “progressivamente para a criação de mecanismos de dedicação plena ao exercício de funções públicas”.

A proposta do Governo mantém as taxas moderadoras para evitar o “risco de um consumo desenfreado, excessivo e contrário aos interesses da sociedade” e tem subjacente o princípio do cidadão no centro da política de saúde.

A proposta da Lei de Bases da Saúde segue agora para o parlamento, juntando-se a projetos do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português.

LUSA

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