Ruturas de medicamentos estão a aumentar nos hospitais públicos
Em 61% dos casos, o impacto da rutura de medicamentos foi considerado grave, em 18,5% afetou todo o tipo de medicamentos e em 13,42% atingiu, essencialmente, os genéricos ou biossimilares.

As ruturas de medicamentos têm aumentado nos hospitais públicos, que as consideram um problema grave, e em 23% das instituições obrigaram a alterar a terapêutica do doente, segundo o Índex Nacional de Acesso ao Medicamento.
De acordo com os dados deste índex, a que a Lusa teve acesso, todas as 31 instituições hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que responderam (de um total de 43) registaram ruturas de medicamentos, mais de metade de forma diária ou semanal.
Em 61% dos casos o impacto da rutura foi considerado grave, em 18,5% afetou todo o tipo de medicamentos e em 13,42% essencialmente os genéricos ou biossimilares. Em 23% dos casos foi necessário alterar a terapêutica dos doentes por falta de alguns medicamentos.
“O problema tem vindo a avolumar-se”, disse à Lusa o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, reconhecendo que as ruturas já estão a ter impacto nos doentes.
Xavier Barreto disse que esta situação tem de funcionar como “um alerta para o Governo” e acrescentou: “No futuro, vamos ter de escalpelizar ainda mais este tema e perceber quais são os medicamentos em concreto que estão a faltar e porque é que estão a faltar”.
“Vamos ter de analisar com ainda mais detalhe e perceber que tipo de ações concretas é que vamos poder tomar”, acrescentou.
O adiamento do tratamento (17%), alterações da terapêutica (67%) e o adiamento/suspensão de tratamentos ou alterações de terapêutica (17%) foram os exemplos de impacto das ruturas apontados pelos hospitais.
Numa escala de 0 a 100, mais de 80% dos hospitais classificam o acesso a medicamentos inovadores com 75 pontos, mas o índex do acesso à inovação tem vindo a baixar desde 2018 (77%), tendo chegado aos 54% no ano passado.
Quanto às barreiras no acesso ao medicamento, cerca de um terço das unidades considera que o processo de aquisição nunca é desencadeado atempadamente, mas apenas 19% dos que responderam disseram que o fator preço/modelo de financiamento foi uma barreira para o acesso a algum medicamento.
A maior parte das instituições (90%) têm estratégias de controlo da despesa em medicamentos, como políticas específicas para gestão de biossimilares, substituição automática por Denominação Comum Internacional (DCI) na farmácia, negociações de preço com a indústria ou emissão de normas de prescrição.
A carga administrativa (42%), a ineficiência dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (25%) e a falta de autorizações financeiras (14%) foram as três barreiras mais relevantes que foram apontadas. Em nenhum dos casos foi referida a falta de autorização do Conselho de Administração.
Três em cada quatro hospitais não monitorizam resultados dos medicamentos
A maioria das instituições hospitalares utiliza medicamentos antes da decisão de financiamento, garantindo na globalidade o acesso à inovação terapêutica. Após a decisão de financiamento, na grande maioria das instituições (80%) o acesso ao medicamento ocorre apenas após a sua inclusão no Formulário Nacional do Medicamento (FNM).
No caso de medicamentos em que o financiamento se baseia em mecanismos de partilha de risco e monitorização de resultados associados a essa partilha, 84% das instituições já monitoriza esses resultados.
Três em cada quatro hospitais públicos não monitorizam de forma sistemática os resultados das novas terapêuticas que usam, uma situação que poderia gerar poupança na despesa destas instituições com medicamentos, que subiu 15% até setembro.
De acordo com o Index Nacional do Acesso ao Medicamento Hospitalar, a que a Lusa teve acesso, 77% dos hospitais disseram não monitorizar sistematicamente os resultados das novas terapêuticas e os que o fazem reconhecem as vantagens.
Os dados indicam ainda que a maioria dos hospitais também não reavalia uma nova terapêutica depois de a utilizar – um mecanismo que poderia também ser vantajoso para a renegociação de preços com a indústria – e que 80% não faz gestão de dados (efetividade e segurança) relativos à utilização dos medicamentos em contexto de vida real.
A despesa com medicamentos é uma das que estão incluídas na rubrica de bens e serviços, onde o Governo pretende cortar 10%.
Segundo dados do Infarmed, entre janeiro e setembro, a despesa com medicamentos cresceu 14,9% (+257 milhões de euros) nos hospitais e 13,1% em ambulatório (+162 milhões de euros), chegando aos 2.381,4 milhões de euros.
Contactado pela Lusa, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, reconheceu que “são pouquíssimos hospitais que avaliam o impacto dos medicamentos que compram na vida real dos nossos doentes”, um aspeto que considera central.
“Não faz sentido absolutamente nenhum que nós compremos medicamentos que custam centenas de milhões de euros e que depois não avaliemos o impacto, o resultado clínico concreto associado a estes medicamentos”, disse.
E acrescenta: “Dizem-nos que os doentes vão melhorar nesta ou naquela proporção, vão ter menos dores, vão ser mais funcionais, vão deixar de faltar ao trabalho… e o preço do medicamento é fixado também em função disso. Mas depois não sabemos se isso, de facto, se concretiza ou não. Se pensarmos bem, isto é um absurdo”.
Defende que se deveria avaliar os resultados concretos da vida dos doentes e, depois, reajustar os preços a pagar à indústria em função da concretização da expectativa inicialmente criada. “É aquilo que são os chamados acordos de partilha de risco, que fazemos pouco”, insistiu.
Para estimular essa avaliação de resultados dos medicamentos e do valor que acrescentam ao doente, defendeu a criação de incentivos específicos para os hospitais.
De acordo com o Index Nacional do Acesso ao Medicamento Hospitalar, promovido pela APAH, 84% das instituições não têm qualquer sistema integrado de gestão de dados clínicos/financeiros/administrativos, que poderia permitir uma análise de custo efetividade das intervenções em saúde.
Dos hospitais que monitorizam os resultados da utilização de novas terapêuticas, 86% diz que este acompanhamento tem influência na prática clínica da instituição e já levou a alterar ou criar protocolos.
Esta monitorização permite perceber se os medicamentos usados estão efetivamente a produzir os efeitos desejados e, tendo em conta os dados registados, pode mesmo levar a trocas por fármacos com a mesma efetividade e segurança, mas mais baratos.
O Índex recolheu também informação relativa à dispensa de medicamentos em proximidade, que abrangem apenas 40% dos doentes que habitualmente levantam medicamentos no hospital, um resultado que os especialistas consideram “aquém do expectável”.
O número de instituições com consulta farmacêutica aumentou substancialmente desde em 2018 (27%), fixando-se agora em 61%.
A carga administrativa continua a ser identificada como uma das maiores barreiras no processo de compra dos medicamentos.
LUSA
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