28 Out, 2022

Unidade de Recuperação de AVC da Prelada aposta na intervenção precoce

Em Portugal, há cerca de 20 mil sobreviventes de AVC por ano, sendo que 35 a 40% ficam com sequelas moderadas ou graves. Por isso, "a intervenção precoce, a intensidade e a diferenciação fazem a diferença na recuperação" dos doentes, sublinha o diretor do serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Hospital da Prelada, Renato Nunes.

A Unidade de Recuperação de Acidente Vascular Cerebral (AVC) do Hospital da Prelada, no Porto, tem como objetivo ajudar a preencher uma “carência nacional” numa área onde a “intervenção precoce marca a diferença”, descreveu o diretor.

“Queremos que os doentes nos cheguem rápido. Está demonstrado que a intervenção precoce, a intensidade e a diferenciação fazem a diferença na recuperação do doente que sofreu um AVC”, explicou Renato Nunes.

Na véspera do Dia Mundial do AVC – que se assinala a 29 de outubro -, o diretor do serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Hospital da Prelada defendeu à Lusa que o investimento em programas intensivos e integrados resultará, “a longo prazo”, em menores custos para o doente, mas “também, ou sobretudo”, para a sociedade, porque “as pessoas conseguem ser mais ativas e menos dependentes”.

Em Portugal, há cerca de 20 mil sobreviventes de AVC por ano. Desse número, cerca de 35 a 40% fica com sequelas moderadas ou graves e “uma percentagem importante”, cerca de 8.000 doentes, precisa de uma continuidade da reabilitação com um programa intensivo.

“Na região Norte estamos a falar de uma realidade de 2.000 doentes por ano com esta necessidade”, disse o especialista, socorrendo-se de dados de 2016.

Anabela Rodrigues é uma das doentes que faz parte destas estatísticas. Aos 72 anos, a antiga secretária mantinha uma vida ativa que incluía a prática regular de ginástica. Um AVC sofrido seis dias depois de ter sido submetida a uma cirurgia para tratar um cancro nos intestinos “roubou-lhe” a mobilidade dos membros direitos.

“Dos intestinos estou completamente bem, mas o AVC deixou-me sequelas”, conta à Lusa sentada numa cadeira de rodas num dos ginásios que integram a Unidade de Reabilitação de AVC que o Hospital da Prelada abriu em 2019, e reformulou e expandiu recentemente.

 

Quando chegou à Prelada, Anabela tinha o lado direito do corpo “quase paralisado”, a mão não mexia e a perna estava, conta, “sempre gelada” por não conseguir andar.

“Agora já mexo melhor a mão e já tenho a perna quente. Um dia destes até já consegui andar de andarilho. Quando cá cheguei, falava muito baixo. Ninguém me ouvia, quase. Agora falo pelos cotovelos”, contou.

Integrada na rede de cuidados do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a Unidade de Reabilitação de AVC do Hospital da Prelada tem como meta preparar o doente para o dia a dia fora do hospital, integrando a família no processo.

Reaprender a vestir-se ou a alimentar-se são alguns dos treinos funcionais que fazem parte do programa e que são ensinados aos familiares e cuidadores para que sejam replicados no domicílio.

“Os doentes passam a maior parte do tempo fora do quarto, nos setores terapêuticos. Temos uma política de visitas e de saídas ao fim de semana para preparar a alta e o regresso a casa”, destacou Renato Nunes sobre a unidade que “dá apoio a praticamente todos os hospitais da região Norte”.

Com uma equipa de cerca de 30 pessoas, que inclui médicos, enfermeiros, auxiliares de ação médica, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, uma neuropsicóloga, entre outras especialidades, pela Unidade de Recuperação de AVC da Prelada passaram, em três anos, cerca de 180 doentes.

Cada sessão de reabilitação pode durar seis horas por dia. A média de internamento neste programa, que dependendo das características de cada doente pode ser frequentado em regime de ambulatório, ronda os 60 dias.

“Em média, os programas de fase subaguda não devem ultrapassar os 90 dias. É uma diretiva internacional. No AVC o objetivo é que o doente seja integrado no domicílio e regresse à comunidade o mais depressa possível. Infelizmente, às vezes o regresso ao domicílio tem de ser adiado ou até nem é possível, e a recuperação tem continuidade na rede de cuidados continuados nacional”, apontou o médico.

Há 20 dias internada, o dia a dia de Anabela passa pelas várias valências que esta unidade de recuperação oferece. Vai várias vezes ao ginásio, completa as manhãs e tardes com exercícios nas terapias da fala e ocupacional, recebe a visita do marido e de um dos filhos, convive com os outros “inquilinos” do Hospital da Prelada e comunica, pelo telefone, com o filho que vive em Cabo Verde, bem como com as amigas das aulas de zumba e de salsa. Ao fim de semana vai a casa.

“Noto muitas melhorias. Já consigo pôr a perna no chão. Quando cheguei, o joelho nem abria. Isto é espetacular. Os terapeutas são espetaculares. Às vezes faço joguinhos numa máquina que aqui têm. Temos de mexer as mãos para atingir um determinado objetivo. Ao fim da tarde estamos mortos. É como um emprego a tempo inteiro quase”, descreveu.

A máquina de que Anabela Magalhães fala chama-se exoesqueleto e serve para treinar os membros superiores. Já para treinar os membros inferiores e ajudar os doentes que, após sofrerem um AVC, perdem a capacidade para andar, o Hospital da Prelada dispõe de um ‘gait trainer’, um equipamento de treino de marcha suspensa robotizada.

“Investimos em aspetos diferenciadores na reabilitação neuromotora e utilizamos equipamento tecnologicamente avançado que permite o treino de funções específicas. O nosso programa é intensivo com todas as valências da área da reabilitação”, descreveu Renato Nunes.

À Lusa, o diretor destacou o investimento na área da disfagia, uma aposta que surge porque “os doentes com AVC têm, frequentemente, problemas com o engolir”, bem como na reabilitação cognitiva.

“O paradigma da reabilitação mudou e já não falamos só de reabilitação motora como acontecia no passado. Neste momento já não é aceitável propormos um doente de AVC para reabilitação sem incluir a neuropsicológica”, concluiu o diretor.

Já Anabela Rodrigues, sem esconder que é na família e no desejo de regressar às atividades físicas que frequentava numa escola no Viso que a motivam, garantiu: “Estou muito otimista. O cancro não me parou e ainda vou voltar a andar e fazer muita coisa”.

LUSA

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