Quantificação Digital da Fibrose Hepática: Comparação Entre Modelos de Machine Learning e Avaliação Patológica Tradicional
Docente Universitário, Doutorado em Bioengenharia e Estudante de Medicina

Quantificação Digital da Fibrose Hepática: Comparação Entre Modelos de Machine Learning e Avaliação Patológica Tradicional

A inteligência artificial está a remodelar a avaliação histopatológica das doenças hepáticas, trazendo uma nova dimensão à interpretação das biópsias no contexto da esteato-hepatite não alcoólica (NASH). A análise quantitativa e contínua proporcionada por modelos de machine learning (ML) pode ultrapassar as limitações das avaliações convencionais feitas por patologistas, reduzindo a variabilidade interobservador e ampliando a capacidade de deteção de mudanças subtis induzidas por tratamentos farmacológicos. A presente análise pós-hoc de um ensaio clínico de fase II sobre o uso de semaglutide na NASH ilustra o potencial transformador da IA na quantificação dos achados histológicos e na identificação de respostas terapêuticas que escapam à avaliação tradicional.1

O ensaio analisou biópsias hepáticas de 251 pacientes com NASH e fibrose F1–F3 submetidos a um regime diário de semaglutide em diferentes doses ou placebo, com avaliações realizadas tanto por patologistas como por modelos de ML desenvolvidos pela PathAI. Ambas as abordagens demonstraram que a semaglutide 0.4 mg induziu uma resolução significativa da NASH sem agravamento da fibrose, com 58.5% dos pacientes a responderem ao tratamento segundo a avaliação dos patologistas (vs. 22.0% no placebo, p<0.0001) e 36.9% segundo a análise ML (vs. 11.9%, p=0.0015). A análise ML detetou ainda uma redução quantitativa significativa da fibrose na dose mais alta de semaglutide (p=0.0099), um efeito não identificado pela avaliação convencional.

O impacto destes resultados é duplo. Por um lado, a elevada concordância entre as avaliações ML e dos patologistas reforça a credibilidade da IA como uma ferramenta complementar na quantificação histológica da NASH. Por outro, a capacidade dos modelos ML para medir mudanças contínuas sugere que a tecnologia pode capturar alterações subtis no tecido hepático antes que estas se manifestem em mudanças categóricas identificáveis por patologistas. Isto pode ser particularmente relevante para a identificação precoce de melhorias em resposta a terapias emergentes.

No entanto, a introdução da IA na patologia digital levanta questões fundamentais sobre a sua integração nos fluxos clínicos e regulatórios. A concordância entre ML e patologistas variou consoante os parâmetros histológicos avaliados, sendo mais elevada para a esteatose (kappa=0.62) e mais baixa para a fibrose e inflamação lobular (kappa=0.28–0.36). Isto sugere que, embora a ML seja altamente precisa na quantificação de certas características, a sua aplicabilidade a componentes mais subjetivos, como a inflamação e balonização hepatocelular, ainda requer otimização. Em acréscimo, a tendência da ML para atribuir valores superiores em comparação com os patologistas sugere que os critérios de classificação precisam de ser calibrados para garantir uma melhor correspondência com a prática clínica.

A adoção da IA na patologia digital poderá permitir a minimização da variabilidade interobservador e aumentar a sensibilidade da deteção de respostas terapêuticas, trazendo ganhos significativos para a investigação clínica e para a prática médica. No contexto da NASH, onde a progressão da doença pode ser insidiosa e difícil de quantificar, a combinação da expertise humana com modelos ML sofisticados pode proporcionar uma abordagem mais robusta e objetiva para a monitorização da doença e a avaliação da eficácia terapêutica. Estudos futuros deverão explorar a integração da IA nos fluxos de trabalho clínicos e a sua utilização para prever a progressão da fibrose hepática, melhorando a capacidade de intervenção precoce e o desenvolvimento de terapias personalizadas.

O estudo confirma que a aplicação de modelos ML na avaliação histológica da NASH tem um potencial considerável para refinar a interpretação dos ensaios clínicos e melhorar a precisão do diagnóstico e da monitorização da doença. O próximo passo será aprofundar a sua validação em ensaios de fase III e explorar a sua implementação em larga escala na prática clínica, garantindo que a IA não apenas complementa, mas aprimora a tomada de decisões médicas na patologia hepática.

1 Ratziu et al. Artificial intelligence scoring of liver biopsies in a phase II trial of semaglutide in nonalcoholic steatohepatitis. Hepatology. 2024, 80, 173

 

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