26 Abr, 2021

“Pandemia mostrou-nos importância de individualizar tipo de contacto, à semelhança da terapêutica”

“O atual contexto pandémico trouxe algumas lições, entre as quais a de que, à semelhança do que fazemos com a terapêutica, podemos e devemos individualizar o tipo de contacto e de consulta no contexto do seguimento dos nossos diabéticos”. Quem o diz é a médica de família e coordenadora do Grupo de Estudos em Diabetologia (GED) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Ângela Neves.

Atualmente, os principais desafios que se colocam ao acompanhamento da pessoa com diabetes no contexto dos cuidados de saúde primários (CSP) e da Medicina Geral e Familiar (MGF) prendem-se com a pandemia de covid-19 e com o facto de haver muitos recursos alocados à vacinação, “o que nos obriga a encontrar formas alternativas para gerir o seguimento dos nossos doentes crónicos, onde se incluem as pessoas com diabetes”, refere Ângela Neves.

De acordo com a médica de família da USF Araceti, as consultas presenciais já começam a ser retomadas na maioria das unidades de saúde, mas há algumas lições que podem e devem ser retiradas dos desafios vividos na fase de confinamento e decorrentes desta realocação de recursos.

Na diabetes, “há que olhar para a pessoa que temos à nossa frente e, tal como individualizamos e adaptamos a terapêutica, temos também que adaptar e individualizar o tipo de consultas e de contacto”, sugere a coordenadora do GED. “Haverá doentes que preferem as consultas presenciais e não abdicam de estar cara a cara com o médico, enquanto outros ficam particularmente satisfeitos por poderem ter um seguimento via telefone ou email ou por poderem enviar semanalmente os seus valores de glicémia com recurso a tecnologias de informação”, adianta a médica.

No que concerne à terapêutica, Ângela Neves destaca alguns entraves, igualmente fruto da situação pandémica, ao nível da introdução de terapêutica injetável e da verificação de adesão à terapêutica, uma vez que “estas exigem um acompanhamento mais apertado e regular, que nem sempre foi possível manter ao longo deste último ano”. Situação que, diz, começa aos poucos a regularizar-se.

 

Educar para desmistificar

 

Ainda no plano da terapêutica, a médica de família alerta para os mitos que subsistem entre os doentes, mas também entre os profissionais de saúde, face à insulina e às terapêuticas injetáveis.

“A minha experiência recente com os diabéticos tipo 2 recém-diagnosticados (não tratados previamente) mostra-me que quando os recebo na consulta já vêm habitualmente com níveis de Ha1c muito elevados – isto nos diagnósticos de novo e não naqueles pré-diabéticos que vão evoluindo e em que até já instituímos algumas medidas, nem que seja as não farmacológicas – e nestes opto habitualmente por introduzir logo uma terapêutica injetável. Esta estratégia ajuda o doente a deixar cair a ideia – ainda muito enraizada! – de que a insulina é um tratamento de última linha”, explica Ângela Neves.

Neste contexto, advoga a coordenadora do GED, “o grau de literacia ainda é muito baixo” e, como tal, “é fundamental que os médicos ‘percam tempo’ com a educação do doente.

A este respeito da educação/literacia, “o grande desafio para nós, médicos de família, é o tempo de consulta de que dispomos, que é muito reduzido”. Porém, compensador, reconhece: “Se explicarmos à pessoa que temos à nossa frente em que consiste a diabetes, por que falta a insulina e que quando temos falta de algo no organismo – como uma vitamina, por exemplo – temos que compensar com uma medicação, eles entendem e acabam por aceitar melhor as terapêuticas injetáveis. Por vezes, a agulha não é de todo o seu maior receio”.

Outro fator que os diabéticos conhecem e muito valorizam é o risco cardiovascular inerente à sua doença, pelo que “qualquer intervenção no sentido de reduzir as comorbilidades cardiovasculares e as complicações ao nível macro ou microvascular é acaba por ter melhor adesão por parte dos doentes”, sublinha a coordenadora do GED, salientando ainda que “explicar que efeitos secundários podem ocorrer antecipa a não adesão à terapêutica”.

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