O SNS precisa de Gestão, não de Política
Médico || Ex-Diretor Hospitalar

O SNS precisa de Gestão, não de Política

Em minha opinião o SNS precisa urgentemente duma visão gestora do Serviço e não duma persistente e fatigada visão e discussão política, de esquerda/direita, sem qualquer sentido prático consequente.

 

“Sou do tempo…” é uma expressão que encaixa bem nesta questão.

Fiz a minha carreira profissional, desde o Internato Geral, até Chefe de Serviço Hospitalar, naturalmente passando por todos os crivos de exames sucessivos. No, entretanto, assumi por 7 anos a direção dum Hospital, assim como a função única de Responsável pela Instalação desse mesmo Hospital. Melhor explicitando, fui nomeado em 1989 Director do “Velho” Hospital de Almada e Coordenador da Instalação do novo Hospital Garcia de Orta, à altura (1989) em pleno processo de construção. Essa função foi definida como o intermediário entre Ministério da Saúde (dono da obra) os Serviços da DGIES (Direção Geral das Instalações e Equipamentos da Saúde) o empreiteiro e os fiscais da obra. Com a função fundamental de “empurrar” o processo construtivo para o cumprimento dos prazos contratados, e que, foram ultrapassados em 2 meses (caso inédito no seio da Saúde) assim como preparar os serviços clínicos do antigo Hospital, começar a organizar os futuros serviços e sua articulação com os centros de saúde, câmaras municipais, prestadores privados da sua área de influência. Foi um trabalho excitante, aprazível e muito exigente, sendo certo que sem qualquer falsa imodéstia, cumprimos plenamente.

E sou do tempo… em que os médicos se sentiam orgulhosos por estarem a prestar serviço nos Hospitais públicos e mais tarde (1979) terem sido integrados no SNS.

Esta é uma realidade indesmentível. Ultimamente tem sido posto em causa por vários profissionais, médicos e outros, como se tem visto em comentários, entrevistas e opiniões, demissões e outras atitudes, expressos recentemente, já que as condições de trabalho atual e o desinteresse da tutela no SNS os tem atirado para o cansaço físico e psicológico (moderno BOURNOT).

Razões para estas diferenças, estarão certamente no rumo que o SNS levou, acabando (diria melhor, alterando substancialmente) com os internatos de especialidade e carreiras médicas. Mas também pela cartelização dos vencimentos, não premiando, como deveria, a competência e a qualidade. Para além do desinvestimento acentuado que tem havido no SNS em contraciclo do que se passa no sector privado. E já agora, porque não dizê-lo, pela pressão que os grandes operadores privados têm feito junto dos profissionais, quer seja com promessas de apoios especiais, incluindo equipamentos de 1ª linha, ou com vencimentos chorudos ou ainda em condições vantajosas de trabalho face à competência apresentada. De resto perfeitamente aceitável num mercado concorrente.

Já num artigo de opinião, publicado no DN da Madeira, expressei a minha, sobre como vejo o futuro da saúde em Portugal.

Não resisto a contar o que me sucedeu no meu percurso profissional, para deixar ao critério dos leitores o verdadeiro sentir de ser especialista do SNS (no meu tempo!) e que genuinamente penso não se ter modificado.

No final do meu internato Geral e respetiva inscrição na Ordem dos Médicos fui convocado para cumprir o Serviço Militar obrigatório. Pois sou desse tempo. Estive adiado dessa incorporação por estar em formação universitária (Curso de Medicina). Já médico fui incorporado no curso de aspirantes a oficiais milicianos em Mafra.

Fizera o meu internato Geral, nos Serviços de Cirurgia e Medicina Interna do Hospital Curry Cabral. Entusiasmara-me pela Especialidade de Endocrinologia, que imperava nesse Serviço de Medicina Interna, dirigida pelo Sr. Professor Iriarte Peixoto.

Perante esta nova realidade do Serviço Militar, tinha de enfrentá-la com clareza.

Tinha ouvido rumores que Análises Clínicas seria uma especialidade com falta de especialistas militares. Conversei com o Director do Serviço de Medicina Interna, onde ainda exercia, sobre a minha preferência de seguir Endocrinologia e ele informou-me como era a realidade dessa especialidade na Inglaterra, lendo-me numa carta que lhe havia enviado um colega, que lá estava. Em Portugal em 1972 a Endocrinologia era

uma especialidade emergente. E, em Inglaterra (onde em regra se iam formar os especialistas), o trabalho era dividido entre manhãs com atividade clínica (consultas externas e apoio ao internamento) e à tarde trabalho em Laboratório (Analises Clínicas). Aqui fez-se-me luz de como deveria orientar a minha carreira e associando aos rumores atrás descritos, nada me demoveu deste impulso de, logo na 1ª semana de incorporação meter um requerimento solicitando a interrupção do Serviço Militar

para tirar a especialidade de Análises Clínicas (atualmente Patologia Clínica). Passados dois meses fui informado de que o meu pedido tinha sido deferido.

Fui fazer a especialidade no Hospital dos Capuchos, que terminei já depois do 25 de Abril 1974 (julho de 1975), pelo que voltei a ser incorporado no Serviço Militar e colocado no Laboratório do HMP.

O engraçado desta história está no facto de o meu interesse pela Endocrinologia levou a que os colegas mais velhos do Serviço terem insistido comigo para “meter o Chico” (termo que na altura significava ficar na carreira militar).

Davam-me argumentos de peso na tentativa de me convencer, nomeadamente, proponham que se eu ficasse militar me apoiariam a ir fazer a especialidade à Inglaterra, por dois anos e com regalias incríveis, porque, como era do interesse da instituição, iria com ajudas de custo diárias. Teria ainda a grande vantagem de passados uns anos nessa situação (se bem me lembro 10), os meus anos de curso de Medicina e especialidade, seriam considerados como tendo sido feitos como militar, ganhando deste modo 10 anos de carreira militar, os 6 anos da universidade (aluno) assim como os 4 de Internato de especialidade, passavam a ser de carreira militar, com todas as regalias inerentes.

Isto para vos confirmar que, a nossa “vaidade” (e clara qualidade), de fazer uma carreira nos Hospitais Públicos (SNS), foi sempre considerado e sobrepôs-se a todas estas mordomias que supostamente me ofereciam na carreira militar.

Sou do tempo… que ser especialista do SNS era uma honra. Atingir o topo da carreira era o objetivo.

O aparecimento da carreira médica em exclusividade, empurrou-me para o abandono dum pequeno Laboratório privado. A mim e a outros colegas que optaram por essa via com claros e significativos melhoramentos na nossa vida pessoal e profissional, da vida das instituições onde trabalhávamos, dos doentes e de todos os profissionais que nos acompanhavam, fossem internos ou outros, porque a nossa vivência diária estava focada no que sabíamos fazer e a nossa cabeça passou a estabilizar-se com foco no Serviço Público.

Sou do tempo… em que a hierarquia era respeitada e o envolvimento de todos nas soluções era real.

Agora, embora afastado, tenho estado atento ao descaminho do SNS.

Desde sempre fui proactivo em soluções para o SNS inovadoras e diferenciadas, sendo certo que infelizmente algumas das propostas apresentadas aos vários ministros nunca foram implementadas.

Não vale a pena chorar sobre o passado.

Em minha opinião o SNS precisa urgentemente duma visão gestora do Serviço e não duma persistente e fatigada visão e discussão política, de esquerda/direita, sem qualquer sentido prático consequente.

É evidente que, se quem decide – e não pode ser um/a Ministro/a! tiver uma visão gestora do Serviço muito do que se discute politicamente será implementado imediatamente. Não tenhamos dúvida.

Segurar os profissionais no SNS? É evidente! Mas como? Fazendo contas! E isto é GESTÃO E NÃO POLÍTICA.

Investir na melhoria de equipamentos e instalações? É evidente! Mas como? Fazendo contas! E isto é GESTÃO E NÃO POLÍTICA.

Rever as carreiras profissionais? É evidente! Mas como? Fazendo contas! E isto é GESTÃO E NÃO POLÍTICA.

Aceitar os profissionais em função da sua competência e disponibilidade para o Serviço Público? É evidente! Mas como? Fazendo contas! E isto é GESTÃO E NÃO POLÍTICA.

Ninguém poderá ser penalizado por exercer o seu direito de cidadania política ou outra qualquer. A nossa carreira não pode sofrer de extravios políticos?  É evidente! Mas como? Fazendo contas! E isto é GESTÃO E NÃO POLÍTICA.

Faltam condições, faltam profissionais, excesso de horas extras, fraco investimento em hospitais públicos e falta de tempo e condições para fazer investigação (dados como argumentos para a debandada dos profissionais do SNS)? É evidente! Mas como? Fazendo contas! E isto é GESTÃO E NÃO POLÍTICA.

Sou de opinião de que a questão aberrante que a Senhora Ministra introduziu, certamente deveria estar a referir-se à resiliência em se manter com uma visão política determinada.

E isto tudo e muito mais poderia aqui continuar a escrever e a debitar, para vos desafiar ao meu raciocínio de que, de uma vez por todas, este SNS deveria ser dirigido por uma equipa de grandes gestores (os melhores, mesmo que indo recrutar ao estrangeiro), muito bem pagos e sobretudo muito competentes, com provas dadas e escrutinado por todos e não por um qualquer departamento na dependência de um qualquer ministério.

O seu “budget” e programa seria proposto e no final avaliado, dando-se continuidade ou rescindindo para um novo período, em ciclos de 6 anos. Claro que teria que haver controlos assíduos e periódicos, para melhorar e tornar mais transparente o ciclo diretivo.

Dispensávamos o/a Ministro/a, da sua atual missão gestora (mesmo que por interpostas pessoas), para que pudesse assumir a sua função política, definida em programa devidamente escrutinado em eleições (a isto chama-se democracia!).

As atuais Direções Gerais e outros departamentos do Ministério ficariam com a missão de fazer o controlo da gestão deste Serviço e se calhar com a passagem a Agências, já que teriam que emanar normas reguladoras e não produzir, como hoje acontece, legislação de difícil implementação, para além de duvidosa eficácia.

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