Docente Universitário, Doutorado em Bioengenharia e Aluno de Medicina
Modelos Generalistas de Inteligência Artificial (GMAIs): O Futuro da Prática Médica Multimodal
Os modelos de inteligência artificial (IA) estão a transformar rapidamente a prática médica, e a introdução de modelos generalistas, conhecidos como Generalist Medical AI (GMAIs), representa um dos desenvolvimentos mais promissores. Diferente dos modelos de IA convencionais, os quais são treinados para realizar tarefas específicas com base em grandes volumes de dados pré-marcados, os GMAIs têm a capacidade de realizar múltiplas tarefas com pouca ou nenhuma necessidade de dados pré-marcados. Estes modelos, baseados em auto-supervisão (ou seja, sem intervenção humana), são construídos a partir de dados já existentes e diversificados, como por exemplo, registos eletrónicos de saúde, exames imagiológicos, resultados laboratoriais, genómica e textos médicos. Esta flexibilidade permite-lhes serem uma ferramenta de base à prática clínica mais eficiente e personalizada, seja na redação de relatórios ou anotações em imagens, até mesmo suporte verbal em telemedicina.
O avanço mais significativo em relação aos modelos tradicionais reside na capacidade dos GMAIs serem utilizados em diversas tarefas sem a necessidade de treino específico para cada uma delas. Isto é possível graças a novas técnicas de aprendizagem, como a aprendizagem em contexto. Por exemplo, o modelo GPT-4 demonstrou que é possível resolver tarefas inéditas simplesmente fornecendo exemplos de texto que descrevam o problema. Esta inovação elimina a necessidade de treinar novamente estes modelos sempre que surja uma nova tarefa, o que é uma limitação dos modelos específicos usados atualmente na medicina. Esta abordagem é especialmente útil em contextos clínicos, onde a variabilidade dos cenários e das patologias pode ser ampla e imprevisível.
Outro ponto forte dos GMAIs é a sua capacidade de trabalhar com múltiplas modalidades de dados, integrando informações de diferentes fontes para oferecer uma visão mais completa do estado clínico do doente. Esta capacidade multimodal vai além dos modelos existentes, que geralmente requerem dados pré-marcados para cada tipo de input. Por exemplo, em exames de imagem, os GMAIs conseguem combinar imagens radiológicas com dados de exames laboratoriais e histórico médico, fornecendo um diagnóstico mais preciso. Por exemplo, num estudo recente observou-se que estes modelos foram capazes de detetar patologias com uma precisão de 92%, comparável aos melhores especialistas humanos recrutados para o estudo. Em acréscimo, ao integrar dados de várias fontes, os GMAIs podem gerar relatórios interpretativos que não apenas identificam anomalias, mas também explicam o raciocínio por trás do diagnóstico, não sendo assim surpreendente a enorme utilidade dos GMAIs também para o ensino em Medicina.
A aplicação dos GMAIs na radiologia é um exemplo claro do seu potencial transformador. Tradicionalmente, os modelos de IA utilizados nesta área são treinados para detetar uma única patologia a partir de imagens específicas, como, por exemplo, pneumonias em radiografias torácicas. No entanto, um modelo generalista pode realizar a interpretação completa da imagem e redigir relatórios radiológicos detalhados, que incluem tanto as anomalias quanto os achados normais relevantes, além de considerar o histórico do paciente. Este tipo de abordagem reduz significativamente o tempo necessário para a análise de exames, ao mesmo tempo que mantém ou melhora a precisão diagnóstica. Existe assim um suporte claro produtivo ao registo e extrapolação da história clínica do doente, garantindo-se uma uniformização e concentração informativa de carácter inter-hospitalar.
Além da radiologia, os GMAIs estão a ser testados no suporte à decisão clínica, particularmente em cenários críticos onde decisões rápidas e informadas são essenciais. Estes modelos têm a capacidade de avaliar dados em tempo real, como sinais vitais e resultados laboratoriais, prevendo com determinação probabilística eventos adversos. A capacidade de fornecer recomendações personalizadas, baseadas na análise integrada de múltiplas fontes de dados, é uma vantagem substancial dos GMAIs sobre os modelos tradicionais. Por exemplo, no contexto de previsões de síndromes respiratórias, os GMAIs mostraram uma sensibilidade de 95%, antecipando complicações com maior precisão do que os métodos atuais.
No entanto, apesar dos benefícios evidentes, a adoção de GMAIs enfrenta desafios significativos. A validação destes modelos é um dos principais obstáculos, uma vez que a sua capacidade de realizar múltiplas tarefas sem necessidade de novo ciclo de treino levanta questões sobre os modos de falha em cenários imprevistos. Compreende-se assim que reguladores, como a FDA e EMA, estejam ainda a desenvolver diretrizes adequadas para lidar com a flexibilidade e a complexidade dos GMAIs. Atualmente, a maioria dos modelos de IA aprovados pelos reguladores são limitados a tarefas muito específicas, como a deteção de uma única patologia em exames de imagem, e não possuem a versatilidade promissora dos GMAIs.
Em resumo, os GMAIs representam um avanço tecnológico que tem o potencial de revolucionar a Medicina. A sua capacidade de realizar múltiplas tarefas, integrar diferentes modalidades de dados e fornecer recomendações precisas e personalizadas coloca-os como uma ferramenta promissora para melhorar a eficiência e a precisão na prática clínica. No entanto, para que essa tecnologia seja amplamente adotada, será necessário enfrentar desafios regulatórios, técnicos e éticos significativos. O sucesso dos GMAIs dependerá não apenas do seu desenvolvimento técnico, mas também da criação de uma infraestrutura robusta que suporte a sua implementação segura e eficaz nos sistemas de saúde.
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