Medicina de Urgência não pretende afastar outras especialidades, diz médica
Adelina Pereira, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Urgência e Emergência, quer desmistificar algumas ideias associadas aos urgencistas, como o possível afastamento de outras especialidades. Em relação às críticas dos internistas, a também internista, diz que a própria Medicina Interna vai beneficiar com esta mudança.
“Esta medida é estruturante e vital para os serviços de urgência e vai permitir mais qualidade e melhor organização.” Foi desta forma que Adelina Pereira reagiu ao anúncio do Governo que vai avançar com a criação da especialidade de Medicina de Urgência.
Esta é uma das medidas que consta do Plano de Emergência de Saúde e vai ao encontro dos desejos de quem defende este caminho para que se evite fechos de serviços por falta de recursos humanos. “A urgência é um puzzle grande, há muitos intervenientes e peças. Os serviços de urgência são os únicos serviços de ação médica, em Portugal, que não têm equipas médicas com especialização.”
Adelina Pereira considera que “não faz qualquer sentido” que se permita, em Portugal, trabalhar sem especialidade, vendo nisso uma das razões para que se contratem mais ‘tarefeiros’ e para que haja menos jovens a optarem por uma dada diferenciação. “Com esta medida vai ser possível ter equipas que se vão organizar por escalas, evitando os fechos e as transferências entre unidades de tantos doentes, por não haver recursos.”
Continuando: “Com a especialidade, além de uma melhor organização, também se otimizam os cuidados aos doentes; e, no caso dos médicos, consegue-se mais facilmente fixar as pessoas nos serviços, porque veem reconhecido o seu trabalho e podem ter uma carreira.”
Questionada sobre o que pensa da reação do presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), de que “o problema da urgência está no antes e no pós”, responde: “E no durante…”
E explica porquê: “É preciso fazer uma boa avaliação do doente, dar-lhe alta precoce quando é preciso, diminuir o número de meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT), para que os tempos de atendimento sejam menores… Sem especialização, os médicos mais jovens e menos diferenciados acabam por pedir mais MCDT, porque têm mais dúvidas.”
“É, assim, importante que haja quem, na primeira linha, saiba fazer a triagem e esse trabalho deve ficar a cargo do urgencista”, reitera.
Uma visão que vai contra o que defende a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), ou seja, o internista é aquele que tem uma visão holística, pelas suas competências, o que permite uma gestão integrada dos doentes, sobretudo daqueles com multipatologia.
A este pressuposto, Adelina Pereira afirma: “Também, eu, sou internista. Concordo com a questão da visão holística, mas a triagem deve ser feita por urgencistas.”
E, na sequência desta questão, aproveita para alertar para o que diz ser um dos “principais mitos” associados à criação da Medicina de Urgência. “Não queremos tirar ninguém das urgências; e a Medicina Interna continuará a ter um papel crucial, sobretudo nos doentes do foro médico.”
Contudo, acrescenta, “o principal discriminador da Triagem de Manchester é “Alteração dos membros” e esses utentes não são encaminhados para a Medicina Interna.” A médica diz, ainda, que muitos casos que dão entrada são do foro cirúrgico. “As diferentes especialidades vão manter-se na urgência, não se vai ficar somente com urgencistas; vamos trabalhar em equipa”, reforça.
Como internista, a responsável considera que a medida vai ser, inclusive, mais benéfica para os internistas, na medida que terão de dedicar menos tempo a este serviço. “Atualmente, os internistas despendem muitas horas na urgência. Em 40 h semanais, se 24h são para o turno de urgência, quanto tempo sobra para outras atividades como consulta ou internamento? Poucas.”
Na sua opinião, a Medicina Interna vai, inclusive, ter o benefício de poder dedicar mais tempo às diferentes áreas em que se tem subespecializado, tais como Cuidados Paliativos, Hospitalização Domiciliária, Diabetologia, entre outras.
Apesar da boa notícia que recebeu ao ler o Plano de Emergência de Saúde, Adelina Pereira ainda tem de esperar para ver se é desta que vê a criação da especialidade de Medicina de Urgência, já que a decisão tem de ser aceite no âmbito das competências da Ordem dos Médicos. Recorde-se que a mesma foi reprovada em dezembro passado, após oposição do Colégio da Especialidade de Medicina Interna. Apesar disso, a médica diz que já é “muito positivo” que haja mais defensores da Medicina de Urgência.
MJG
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