Cirurgião especialista em Cirurgia da Obesidade e Metabolismo/Coordenador dos Centros de Tratamento da Obesidade do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, e do Grupo Trofa Saúde/Professor da FMUP/Investigador clínico na área da Cirurgia Metabólica e Obesidade
Inflamação: O elo perdido entre obesidade, depressão e cirurgia metabólica?
A obesidade e a depressão são duas condições de saúde cada vez mais comuns e diversos estudos confirmam a sua relação. Um dos principais pontos em comum entre estas doenças é a inflamação crónica de baixo grau. Esta inflamação ocorre como resposta a fatores internos e externos e pode afetar o funcionamento de todo o organismo, incluindo o cérebro, e influencia também o humor e o bem-estar psicológico.
Quando uma pessoa tem obesidade, o corpo pode produzir substâncias inflamatórias em excesso, como a proteína C-reativa (CRP), que estão associadas a maior risco de problemas de saúde mental, incluindo a depressão. Por outro lado, quem sofre de depressão também pode ter níveis mais elevados destas substâncias, criando um ciclo difícil de quebrar: a inflamação agrava o estado emocional e, por sua vez, o estado emocional contribui para comportamentos que intensificam a inflamação, como alimentação pouco saudável e sedentarismo.
Para além disso, o intestino desempenha um papel importante nesta ligação. O equilíbrio das bactérias que vivem no sistema digestivo, conhecido como microbiota intestinal, pode ser afetado pela alimentação e pelo stress, agravando tanto a inflamação como o estado de humor.
Embora estratégias como uma alimentação equilibrada e a prática de exercício físico sejam úteis para reduzir a inflamação e melhorar o bem-estar, nos casos de obesidade grave a cirurgia metabólica é uma solução eficaz. Esta intervenção, que envolve alterações no sistema digestivo para ajudar na perda de peso, não só reduz os números na balança, mas também melhora a saúde geral e o estado emocional.
Após a cirurgia, diminuem significativamente os marcadores inflamatórios no sangue e muitos pacientes relatam uma redução nos sintomas de depressão. Estas melhorias devem-se tanto à perda de peso como às mudanças metabólicas e hormonais provocadas pela cirurgia. Para além disso, ao melhorar a composição da microbiota intestinal, a cirurgia contribui para um maior equilíbrio no organismo, o que também ajuda a reduzir a inflamação.
Contudo, nem todos os problemas se resolvem automaticamente com a cirurgia. Doentes com depressão antes do procedimento podem necessitar de acompanhamento psicológico para garantir que as melhorias são sustentadas e podem ter menor sucesso ao nível da perda de peso. Em alguns casos, uma inflamação residual pode dificultar quer a perda de peso, quer uma recuperação emocional completa. Assim, é fundamental que o tratamento seja acompanhado por uma equipa multidisciplinar, que inclua médicos, nutricionistas e psicólogos.
Por tudo isto, a inflamação é um dos fatores centrais que liga obesidade e depressão. A cirurgia metabólica tem o potencial de transformar vidas, aliviando os sintomas de ambas as doenças. No entanto, o sucesso a longo prazo depende de um acompanhamento contínuo, que deve focar-se não apenas no corpo, mas também na mente e numa verdadeira mudança do estilo de vida.