6 Fev, 2024

Infertilidade. “Custa-me perceber que o casal não parte para o tratamento por motivos financeiros”

Entre fevereiro e junho, Miguel Raimundo, Ginecologista e Obstetra com área de atividade principal em Medicina de Reprodução, vai abordar vários temas ligados à infertilidade nas FNAC Talks em Alfragide. Com o objetivo de informar as pessoas relativamente a várias temáticas inseridas nesta doença, o médico explica como deve ser feita a abordagem ao casal infértil, bem como o facto de os tratamentos de fertilidade ainda serem um entrave financeiro para muitos casais.

As temáticas escolhidas para as FNAC Talks foram “Síndrome do ovário poliquístico e miomas”, “Abordagem ao Casal Infértil”, “Infertilidade masculina”, “Menopausa precoce”, “Questão ética e fertilidade”. Porquê?

No presente mês vamos abordar a síndrome do ovário poliquístico, que corresponde à principal causa de infertilidade feminina. Esta é a doença endocrinológica mais comum em mulheres em idade reprodutiva. Já os miomas são uma das causas de infertilidade associadas a falhas de implantação, de hemorragia e dor, daí a opção por este tema.

Não esquecendo o homem, 30% das causas de infertilidade são puramente masculinas. Ainda é comum os casais chegarem à consulta e ainda não terem feito um espermograma, algo que deve ser feito logo no início da abordagem ao casal infértil.

Quanto à menopausa precoce, esta é uma doença que, a seguir à endometriose, é das que tem um maior impacto. Nestes casos, as mulheres são diagnosticadas com uma reserva ovárica abaixo do normal, com impacto na fertilidade. A probabilidade de engravidarem, de terem óvulos de qualidade, de terem embriões é mais baixa do que o normal e, por vezes, o que acontece é que a mulher faz a toma da pílula durante grande parte da idade reprodutiva e, quando para a toma deixa de menstruar, algo que pode ser proveniente da tal insuficiência ovárica, e que com a pílula não evidenciava qualquer sintoma. O grupo de mulheres com esta causa de infertilidade necessita de múltiplos tratamentos de modo a conseguir engravidar com os seus próprios óvulos.

No campo das questões éticas e de fertilidade, o tema da gravidez de substituição e das barrigas de aluguer é algo que está em voga, e é um tema que precisa de ser abordado do ponto de vista ético. Acredito que mais cedo ou mais tarde vai ser aprovada a gestação de substituição. Não foi aprovada agora, mas impõem-se questões éticas, tanto do futuro como do presente.

Em 2016 surgiu o tema do cessamento do anonimato dos dadores e das dadoras. Este continua a ser um tema que abordamos com os casais, e muitos procuram fazer os tratamentos em centros internacionais e não em Portugal precisamente devido à questão do anonimato. Será que o anonimato é bom ou não? A criança que nasce fruto de técnica medicamente assistida com recurso a doação de óvulos e espermatozoides, quando é que deve ser informada, se é que deve ser? Estas questões são relevantes e é importante que a população em geral e as pessoas que passam por esta situação estejam sensibilizadas para o tema.

“Tentámos juntar as principais causas de infertilidade e terminar um pouco com questões éticas a nível do presente e do futuro.”

 

Como deve ser feita a abordagem ao casal infértil?

Por vezes, é necessária uma abordagem multidisciplinar, não apenas por parte do Ginecologista, mas caso haja alguma doença ao nível da tiroide também um endocrinologista, e se houver algum fator masculino convém marcar uma consulta com um urologista. Também do ponto de vista psicológico, os psiquiatras e os psicólogos podem ajudar nesta abordagem.

Tanto na Medicina de Reprodução como noutra patologia qualquer devemos começar pela história clínica: idade das doentes, doenças anteriores, se existem filhos anteriores e como foram os partos, se já foram submetidas a cirurgias, que medicamentos tomam, se existem alergias a medicamentos, se existe alguma história familiar de infertilidade, por exemplo, se a mãe da mulher teve menopausa precoce ou se teve uma insuficiência ovárica precoce. Quanto ao homem, fazemos também uma anamnese.

Depois passamos para o exame objetivo: apalpação abdominal, ver a posição do útero, perceber se existe dor face à mobilização do colo do útero. De seguida, passamos para o meio complementar de diagnóstico mais comum, que corresponde à ecografia ginecológica, que se faz quase sempre na consulta de apoio à fertilidade. Na ecografia é visto o útero, os ovários, as trompas, e após tudo isso decidimos que análises e que meios complementares de diagnóstico pedir, se é preciso fazer ressonância ou uma ecografia 3D, ou até mesmo se é necessário fazer alguns testes genéticos. A realização de um espermograma também é muito importante.

Consoante os resultados, tentamos encaixar o casal numa das possíveis causas de infertilidade, e com isso disponibilizar as alternativas terapêuticas. O tratamento pode passar por um simples coito programado ou inseminação artificial, ou pode ser necessário fazer um tratamento de segunda linha, mais complexo, como uma fertilização in vitro (FIV).

 

A Medicina da Reprodução nem sempre consegue dar uma resposta aos casais. Como se consegue lidar com esta situação?

Em qualquer que seja o tratamento, não existem taxas de sucesso. O que acontece é que existe uma taxa cumulativa de sucesso, ou seja, no caso de um casal que faz uma FIV, a taxa de sucesso no primeiro tratamento é 30%, no segundo passa para 40% e no terceiro passa para 50%. Há casais em que a taxa de sucesso máximo pode passar para 70%.

Porém, existe sempre uma margem de 10 a 20% que não conseguem engravidar com os seus óvulos, e aí temos de pensar em alternativas, que podem passar por recurso a doação, quer seja de  espermatozoides, quer seja de óvulos. Não existem taxas de sucesso de 100%, mas se conseguíssemos fazer tudo e pensar em cenários B e C com doação de óvulos ou doação de espermatozoides, em alguma situações talvez conseguíssemos a taxa de sucesso pretendida.

De facto, a procriação medicamente assistida tem imenso a oferecer, todas as técnicas, FIV’s, diagnósticos genéticos, doação de óvulos ou espermatozoides, etc, mas existe um custo inerente a tudo isto. Infelizmente estas ainda são técnicas extremamente caras, porque o investimento é muito grande, manter um laboratório e uma clínica de procriação medicamente assistida envolve valores muito grandes, daí que os tratamentos sejam tão caros. Como médico, o que mais gostava era de poder ajudar toda a gente, mas existe um custo associado a todo este processo.

“Numa consulta, custa-me perceber que o casal não parte para o tratamento por motivos financeiros.”

 

A infertilidade ainda é uma doença escondida e com tabus?

Em 2019, quando comecei este projeto, ainda havia muito a questão do tabu, mas noto que ao longo do tempo tem vindo a desaparecer. As pessoas já falam mais sobre o tema, até mesmo especialistas de outras áreas, médicos, enfermeiros, embriologistas, ajudam a desmistificar a problemática da infertilidade com o intuito de procurar soluções.

O facto de uma pessoa procurar ajuda atempadamente, seja dois ou três anos antes, vai permitir que o diagnóstico seja completamente diferente do que se fosse apresentado mais tarde, e por exemplo, em casos de doentes com insuficiência ovárica, faz muita diferença.

A OMS definiu que, se durante um ano um casal não consegue engravidar, convém procurar ajuda. Em casos de mulheres com ovários poliquísticos, endometriose, mulheres com cirurgias pélvicas, mulheres que já sabem à partida que podem ter problemas para engravidar, este timing é reduzido para seis meses. Se durante este período não surgir uma gravidez, deve procurar ajuda, independentemente dos custos, pelo menos para ter consciência de qual é o problema que está a impedir a gravidez.

Depois há outra questão. Um tratamento FIV custa 3850 euros. Qual é a taxa de sucesso? Muitas das vezes rondam os 30 a 40%, dependendo de cada caso, ou seja, as pessoas gastam o dinheiro e não é certo que isso traga a gravidez, o que tem um grande impacto. Deveria haver mais incentivos, os próprios privados deveriam fazer uma comparticipação significativa dos tratamentos. Acredito que esta questão vai mudar em Portugal e que vai acontecer um pouco como internacionalmente, em que as próprias seguradoras e até mesmo o Estado investem na área, mas ao dia de hoje podia, pelo menos, haver uma pequena comparticipação, tanto da parte do setor público, como do privado.

 

CG

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