Hospital Beatriz Ângelo. “As saídas de profissionais condicionam a resposta”

Em entrevista, a presidente do Hospital Beatriz Ângelo (em Loures) admite a dificuldade em atrair e fixar profissionais de todas as áreas, tarefas dificultadas pela reversão, no início de 2022, da PPP que geria o hospital há uma década. Ainda assim, Rosário Sepúlveda sublinha que é preciso encontrar “soluções alternativas” e pede melhorias tanto na resposta dos cuidados de saúde primários como nas respostas sociais.

Há quase um ano que o Hospital Beatriz Ângelo passou para a esfera pública, depois de dez anos de gestão da Luz Saúde. Que balanço pode fazer nesta altura e que feedback tem recebido dos utentes e dos profissionais de saúde?

O processo de transição de PPP para EPE levanta tremendos desafios. É um enorme processo de mudança. Este hospital em particular é a única PPP que não resultou da fusão de um hospital antigo num novo, como aconteceu em Cascais, Braga e Vila Franca de Xira. No caso destes hospitais, os trabalhadores foram absorvidos. Aqui em Loures, o processo foi feito de raiz, o que torna o desafio ainda maior.

Depois, tivemos dois anos de pandemia, numa emergência de saúde pública ímpar. Isso causou cansaço aos profissionais de saúde, e, por vezes, alguma desmotivação. Foi neste contexto que assumimos o Hospital Beatriz Ângelo (HBA). Tem sido a desafio a gestão dos profissionais de saúde, mas também os profissionais nas áreas de gestão e apoio.

Quanto ao feedback, temos queixas mas também elogios dos utentes. Temos muitas queixas das urgências, decorrente dos tempos de espera – mas esse é um problema transversal a todo o país. Da parte dos profissionais, há muitos que vestem a camisola e acreditam no projeto. Há outros que saíram antes de a transição acontecer, o que deixou o HBA numa situação mais delicada, de carência de profissionais. Tem havido algum turnover, em termos de entradas e saídas. O tema dos recursos humanos tem sido um grande desafio.

Que prioridades definiu quando assumiu a gestão do HBA?

A nossa grande prioridade foi manter o hospital em funcionamento. Tivemos de gerir as equipas, que tiveram também de aprender novas competências. Na componente clínica, continuar a prestar cuidados à população. Na componente de gestão e administrativa, ter as pessoas aptas a trabalharem de acordo com as regras da função pública, que são diferentes das regras a que estavam habituadas.

A reversão para a esfera pública, com todas as mudanças que o processo implicou, foi prejudicial para o HBA?

Não é uma questão de ser prejudicial. É uma realidade diferente. Se me disser que o processo de transição pode ser feito de forma diferente, concordo. Podemos aprender com as reversões que já aconteceram e tentar minimizar os impactos.

“Temos de avançar com os recursos que temos, temos de nos reinventar”

O HBA serve uma população muito heterogénea, abarcando zonas económica e socialmente bastante desfavorecidas. Como adaptam os cuidados a esta realidade?

Servimos uma população de cerca de 300 mil pessoas. Temos uma parte de população envelhecida, temos uma componente grande de população migrante. Entre as dificuldades estão a barreira linguística, a falta de resposta dos Cuidados de Saúde Primários (que são deficitários), o grande número de lares de terceira idade nesta região (que fazem aumentar a procura pelos serviços de urgência).

Temos, por isso, especificidades que fazem com que o serviço de urgência seja visto como uma resposta para grande parte destas populações. Isso não é o desejável. Gostava de avançar com projetos de literacia em saúde, em conjunto com parceiros na comunidade, de modo a procurar uma solução de compromisso com a população que seja benéfica para todos, retirando procura da urgência.

Sentem ainda uma grande afluência à urgência de utentes que não precisariam de recorrer à urgência se tivessem outra literacia e outras respostas?

Sim, temos uma grande componente de pulseiras verdes e azuis na triagem de Manchester. São pessoas que recorrem à urgência por falta de respostas.

O HBA sente dificuldades em assegurar as respostas sociais para os utentes?

Às vezes, as respostas sociais são muito difíceis. A este nível, existem tarefas que atualmente são responsabilidade dos hospitais e que não deveriam ser. A questão é que, a partir do momento em que doentes entram no hospital, não temos maneira de os tirar de cá se não tiverem a situação regularizada. Temos de lidar com as situações, de modo a libertarmos camas para tratar outros doentes.

“As respostas sociais são muito difíceis”

O HBA está subdimensionado, tendo a conta a dimensão da população que serve?

Não está. Outras respostas estão subdimensionadas, nomeadamente a resposta dos os Cuidados de Saúde Primários, e as respostas sociais, por exemplo, relacionadas com a população mais envelhecida, que vive sozinha e que não pode voltar a casa e que precisa de acompanhamento. Se estas duas respostas fossem melhoradas, isso ajudaria a retirar doentes à entrada e à saída do hospital, de modo a termos capacidade de tratar os doentes agudos que nos procuram.

Temos assistido a uma saída contínua de profissionais do SNS. O HBA tem dificuldades em atrair e fixar profissionais?

Sabemos que há muita oferta fora do SNS e os profissionais procuram alternativas e novos desafios. Há pessoas que saem e também quem queira ficar no SNS e até quem regresse, embora o número não seja tão alto. O SNS é um bem precioso, temos de o defender e lutar por ele. Não podemos ficar à espera, temos de pedir mais recursos. Ainda assim, temos de avançar com os recursos que temos, temos de nos reinventar, procurar soluções alternativas. Deste modo, temos conseguido avançar.

Que profissionais estão em falta no HBA?

Na parte clínica, temos falta de médicos, enfermeiros e farmacêuticos. Mas também nas áreas de gestão, uma vez que, como este hospital estava agregado a um grupo de saúde, algumas áreas de gestão estavam centralizadas, e as equipas eram reduzidas.

No caso dos médicos, que especialidades estão mais carenciadas?

A grande carência é na Anestesiologia. Já nem conheci parte dos médicos dessa especialidade, cerca de um terço saiu antes da transição. Isto tem um impacto transversal a todo o hospital, uma vez que a Anestesiologia não é só bloco operatório, é também consultas, meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT), etc. A falta de anestesistas tem um grande impacto. Já tivemos, por exemplo, a saída de oftalmologistas que não estavam a operar.

Neste momento, é difícil atrair profissionais para o HBA?

Temos sempre a hipótese de fazer contratos de substituição. Agora, muitas das vezes, o que acontece é que, quando as pessoas saem, sai com elas a diferenciação. Quando vamos ao mercado recrutar, muitas vezes esse elemento não vem fazer o que o elemento que saiu fazia. Isso causa dificuldades acrescidas na gestão diária.

O que está o HBA a oferecer aos profissionais de saúde, nomeadamente aos médicos, para os atrair? Os projetos e investigação são elementos de atração importantes?

A investigação sempre fez parte do ADN desta casa e mantivemos. Além disso, temos ferramentas do SNS, com as quais avançámos desde início, que passam por estímulos à produção adicional, e que são importantes para melhorar o acesso. Fizemos no caso da Anestesiologia, MCDTs no caso da Imagiologia, Oftalmologia. Queremos alargar a outras áreas e avançar também com Centros de Responsabilidade Integrados (CRI), que dependem da proposta dos serviços. É um instrumento que está a ser bastante utilizado em vários hospitais, e não queremos ficar para trás.

Médicos. “A grande carência é na Anestesiologia, o que tem impacto em todo o hospital”

Como é que avalia o acesso dos utentes da HBA neste momento?

As saídas de profissionais e as reduções de horário condicionam a resposta. Também a procura e a referenciação por via dos Cuidados de Saúde Primários, que esteve suspensa durante dois anos devido à pandemia, está a retomar a normalidade. Por isso, a lista de espera para consultas e cirurgias tem vindo a aumentar. Por estas razões, o acesso está condicionado. Temos de fazer mais para conseguirmos responder ao aumento da procura.

Muitos hospitais já estão a realizar mais cirurgias e consultas este ano em comparação com o último ano pré-pandémico (2019). É o caso do HBA?

Não tenho informação em relação ao passado. Relativamente ao que temos no contrato-programa com a ARS, estamos bastante alinhados com aquilo com que nos comprometemos. Onde temos maior quebra é na área do internamento, nomeadamente na Ginecologia-Obstetrícia.

Que projetos o HBA tem intenção de iniciar em breve?

Para além dos CRI, de que já lhe falei, estamos a dar prioridade à saúde mental na comunidade e estaremos em condições de implementar equipas de Psiquiatria no terreno em 2023. A psiquiatria é uma área em que temos tido boa resposta – o Ministério aumentou as vagas para psiquiatras.

Outra área em que estamos a apostar é a Hospitalização Domiciliária, em que colocámos um doente – o objetivo é alargar este tipo de resposta, que tem bons resultados. Minimiza os riscos de infeções hospitalares e permite uma recuperação mais rápida dos doentes.

Queremos também avançar com alguns projetos de literacia em saúde, na área da Imunoalergologia com as crianças, ou, por exemplo, na área da Diabetologia.

SO

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