Entrevista. Listas de espera com “ano e meio de atraso para doentes com escoliose”

Em entrevista ao SaúdeOnline, o médico ortopedista do Hospital D. Estefânia revela que a pandemia Covid-19 veio agravar os tempos de resposta de tratamento e diagnóstico da doença, mas não foi a causa

No dia 27 de junho assinala-se o Dia da Sensibilização para a Escoliose. O Dr. João Lameiras Campagnolo, ortopedista no Hospital D. Estefânia, e coordenador da campanha “Josephine Explica a Escoliose”, destaca a importância de um diagnóstico precoce da doença e revela que a pandemia da Covid-19 veio contribuir para o problema das listas de espera, “que já se vivia”.

Qual a prevalência da Escoliose em Portugal e quais são as faixas etárias mais afetadas?

A escoliose é a principal deformidade da coluna em crianças e adolescentes e tem um grande impacto na autoestima por provocar uma deformidade visível em forma de ‘S’ na coluna. É uma doença que pode ter várias causas, mas, na maior parte das vezes (70-80%), não tem causa conhecida, sendo designada de escoliose “idiopática”. É mais comum a partir dos 10 anos, uma idade crítica do crescimento das crianças (perto do início da adolescência).

Qual é o processo de diagnóstico da Escoliose?

O diagnóstico precoce é fundamental para aumentar as possibilidade de tratamento e evitar o impacto da escoliose na vida de uma criança. Contrariamente a uma ideia que é comum, esta doença não provoca geralmente dor. No entanto há sinais a que os pais e educadores devem estar atentos para procurar ajuda de um médico e chegar a um diagnóstico tais como:

  • Se existir uma diferença de altura entre os ombros;
  • Se a cintura se apresentar descaída para um dos lados;
  • Se for identificada uma proeminência da caixa torácica quando a criança dobra/flete o tronco para diante.

Que tratamentos existem para os doentes com Escoliose?

A escoliose pode afetar 2% a 3% das crianças e jovens, mas são menos de 1% os casos que necessitam de tratamento. As opções de tratamento podem incluir o uso de colete de correção, em casos menos graves, ou cirurgia à coluna, nos mais graves. Hoje em dia, graças ao avanço tecnológico, as cirurgias são procedimentos com elevada segurança e eficácia para o tratamento da escoliose.

No período pré-pandemia, qual era o tempo de resposta dada, em termos de diagnóstico e tratamento, a estes doentes? Foi agravado devido à pandemia?

As listas de espera em circunstâncias normais já apresentavam um ano e meio de atraso para os doentes com escoliose, no serviço de pediatria do Serviço Nacional de Saúde. Com a Covid-19, a tendência é para que a situação continue a agravar-se, uma vez que a pandemia obrigou ao adiamento de consultas e cirurgias nas mais diversas áreas e especialidades médicas.

De que forma é que a atual pandemia da Covid-19 veio alterar os procedimentos que já existiam, em termos do diagnóstico e tratamento desta doença?

A Covid-19 veio contribuir para um agravamento da situação das listas de espera que já se vivia, mas, reforço que não foi a causa para os tempos de resposta tardios quer no diagnóstico, como tratamento, para estes doentes. Com a redução das salas de blocos operatórios, anestesistas e tempos operatórios insuficientes, claro que a Escoliose é uma das muitas doenças que vai ficando para trás.

Persistem ainda os obstáculos burocráticos para aprovação/comparticipação de tratamentos não cirúrgicos (como os coletes)?

Sim, infelizmente, continuamos a assistir a situações anacrónicas, desadequadas, com uma burocracia avassaladora que não permite que as aprovações – particularmente de tratamentos não cirúrgicos, como os coletes – sejam submetidas a tempo. Para contornar esta situação é necessário intervir na atualização de guidelines e orientações claras para cada doente, bem como numa política de saúde que permita acompanhar todos os casos sem impactar os próprios profissionais de saúde.

Que consequências pode ter, no futuro das crianças, a falta de tratamento desta doença durante a infância?

A escoliose é uma doença com um grande impacto na autoestima das crianças por provocar uma deformidade visível em forma de ‘S’ na coluna, por vezes associada a uma verdadeira bossa do tórax (“corcunda”). Além disso, é importante refletir que as que não recebem o devido tratamento sofrem com um impacto, a longo prazo, na sua vida. E, apesar de formas mais leves de escoliose causarem apenas leve desconforto, nas formas mais graves podem causar dores crónicas ou afetar órgãos internos, e até diminuir a esperança média de vida.

Que reflexões gostaria de partilhar no âmbito do Dia Mundial da Escoliose, tendo em conta também o contexto atual da pandemia?

No âmbito deste Dia de Sensibilização para a Escoliose que se assinala mundialmente, a 27 de junho, gostaria de reforçar a importância que tem os pais e educadores estarem atentos aos primeiros sinais, desde cedo, para um diagnóstico precoce que é fundamental no sucesso e eficácia do tratamento. Em tempos de pandemia tem de ser feito um esforço acrescido para continuarmos a trabalhar e lutar pela diminuição das listas de espera, mas também continuarmos a trabalhar na comunicação para a sensibilização sobre esta doença.

Acredito que quantas mais pessoas estiverem alerta para esta doença, mais fácil será chegar ao diagnóstico. Com este propósito tenho coordenado no último ano um projeto chamado a “Josephine explica a Escoliose”. Este projeto tem como figura principal a Josephine, uma girafa, e consiste numa página de Facebook onde esclarecemos diversas questões sobre a escoliose dirigida essencialmente a famílias e crianças, onde procuramos responder a dúvidas, explicar mitos e verdades e de uma forma simples abordar a escoliose. Aproveito para deixar o convite a todos os que queiram acompanhar de perto este projeto aqui.

AR/SO

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