EM. “O início precoce de terapêutica está associado a uma melhor evolução clínica”

No âmbito do Dia Mundial da Esclerose Múltipla, Rui Pedro Guerreiro, médico do Serviço de Neurologia do Hospital de São Bernardo/Centro Hospitalar de Setúbal, fala da doença, das suas causas e sintomas, assim como da importância de se fazer um diagnóstico precoce e de se iniciar a terapêutica quanto antes.

Qual a prevalência da esclerose múltipla?
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, estima-se que existam cerca de 2,5 milhões de pessoas com diagnóstico de EM a nível global. Apesar da ausência de dados estatísticos oficiais, estando Portugal inserido numa região geográfica de incidência moderada, pensa-se que possam existir cerca de 8 mil doentes no nosso país. Afeta principalmente jovens adultos, entre os 20 e 40 anos, com predomínio do sexo feminino.

Em que consiste exatamente a EM?
A EM é uma doença inflamatória e degenerativa, crónica, de natureza autoimune, que afeta o sistema nervoso central (cérebro, medula espinhal e nervos óticos). Por outras palavras, algumas células do nosso sistema imunitário passam a reconhecer a mielina, a proteína que reveste e isola os prolongamentos (axónios) dos neurónios, como um alvo. Este processo leva a inflamação, causando os chamados surtos, evoluindo posteriormente para a formação de uma cicatriz (esclerose). Os surtos, seguidos de recuperação que pode ser parcial ou completa, são característicos da forma mais comum da doença (surto-remissão), correspondendo a cerca de 80% dos casos. Alguns doentes podem evoluir após vários anos para a Forma Secundária Progressiva, que se caracteriza por progressão de incapacidade, independentemente da presença de surtos. Finalmente, existe a forma Primaria Progressiva (10 a 15% dos casos), em que ocorre acumulação de incapacidade desde o início da doença.

Quais as causas?
A EM é uma doença complexa e a sua causa não é inteiramente conhecida. Sabe-se que resulta provavelmente da interação entre uma suscetibilidade individual, determinada por fatores genéticos, com vários fatores ambientais, como o vírus de Epstein-Barr, défice de vitamina D, obesidade e tabagismo.

E os sintomas?
A EM pode afetar várias áreas do sistema nervoso central, resultando em sintomas igualmente diversos, consoante a região envolvida.
Os sintomas podem variar ao longo do tempo, alternando períodos de agravamento com melhoria, assim como evoluir de forma progressiva, sendo os mais frequentes:
– Fadiga
– Alterações da memória
– Alterações do humor
– Disfunção génito-urinária
– Alteração da força muscular e sensibilidade
– Dor
– Alterações na marcha
– Espasticidade (sensação de rigidez e espasmos musculares)
– Tremor
– Problemas de visão
– Alterações na fala
– Alterações na deglutição

Considera que atualmente o diagnóstico é feito de forma atempada?
Nos últimos anos temos assistido de forma progressiva a uma redução do tempo entre o início dos primeiros sintomas e o estabelecimento de um diagnóstico. Existem vários fatores determinantes para este facto: investimento na educação e informação do público em geral, que reconhece com mais facilidade os sintomas e recorre a consulta de especialidade; melhoria da rede de cuidados especializados e acessibilidade a meios de diagnóstico diferenciados, nomeadamente ressonância magnética; evolução dos critérios de diagnóstico, permitindo estabelecê-lo de forma mais precoce e aceder a terapêuticas específicas.

Apesar de tudo, o esforço na educação em saúde, nomeadamente na área da EM constitui um desafio continuo e haverá sempre aspetos a melhorar.

Qual a importância de se iniciar o tratamento mais precocemente possível?
Um aspeto é comum a todos os estudos desenvolvidos na área do tratamento da EM: o início precoce de terapêutica está associado a uma melhor evolução clínica, seja na diminuição do número de surtos, do número de novas lesões e menor atrofia cerebral, documentadas por ressonância magnética, assim como menor progressão da incapacidade.

E os principais desafios dos neurologistas no seguimento destes doentes?
Existem vários desafios no dia-a-dia do seguimento dos doentes de EM. A evolução da terapêutica nesta área tem sido imensa nos últimos anos e temos atualmente vários fármacos de elevada eficácia ao nosso dispor, mas igualmente com novos riscos associados. Ajustar a complexidade do seguimento às restantes atividades desempenhadas por um neurologista (urgência, enfermaria e consulta geral) e à escassez de recursos humanos constitui na minha opinião o principal desafio.

Como é que vê o futuro do tratamento e acompanhamento dos doentes com EM?
É cada vez mais fundamental adequar o tratamento a situação clínica do doente em questão, privilegiando tratamentos mais eficazes para formas mais ativas e com pior prognóstico. Por outro lado, o potencial risco de complicações associado requer uma monitorização apertada e cada vez mais complexa, com necessidade de uma abordagem multidisciplinar. Tratando-se de uma doença crónica e incurável, que afeta principalmente doentes em idade ativa, precisamos da colaboração de vários profissionais médicos e não médicos (enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas da fala, psicólogos, assistentes sociais), de forma a dar resposta às problemáticas específicas destes doentes.

Qual a importância de se assinalar o Dia Mundial da Esclerose Múltipla?
O Dia Mundial da Esclerose Múltipla constitui uma oportunidade ímpar para sensibilizar o grande público para esta temática, promover a educação em saúde, desmistificar conceitos e partilhar experiências, contribuindo desta forma para estabelecer pontes entre a comunidade, doentes e profissionais de saúde, com claro benefício para todos os intervenientes.

Texto: Sílvia Malheiro

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