“Estou a tomar a medicação para a esclerose múltipla e vou fazê-lo toda a vida”

Tem 32 anos de idade e esclerose múltipla (EM) há 17 anos. Definindo-se como “uma pessoa de fé”, Margarida Piçarra Navalhinhas, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM), coordenadora da Delegação de Évora e Socióloga da SPEM, conta-nos um pouco da sua história de vida, salientando que a EM também lhe tem trazido coisas boas.

Esta entrevista ao SaúdeOnline realizou-se no âmbito do Dia Mundial da Esclerose Múltipla, que se assinala a 30 de maio, tendo Margarida Piçarra Navalhinhas salientado a importância de os doentes iniciarem a medicação assim que recebem o diagnóstico de EM, mesmo após a remissão dos sintomas que levaram ao diagnostico, pois “é uma forma de travar a evolução da doença”.

Tem EM e é membro da Direção da SPEM. Qual considera ser a importância de se assinalar o Dia Mundial da Esclerose Múltipla?
A importância deste dia transcende fronteiras e une de forma global a Comunidade da EM. As pessoas com a doença (PcEM), os seus familiares e cuidadores, os seus clínicos, os seus terapeutas, os cientistas que se debruçam sobre os enigmas da patologia, as empresas que desenvolvem e comercializam os medicamentos, as que lhes fornecem soluções para vencerem os desafios de incapacidade, as suas associações e os seus representantes, ou seja, todas as partes interessadas em proporcionar às PcEM e suas famílias a melhor qualidade de vida possível.

Neste sentido, o Dia Mundial da EM é a ocasião de agradecermos à Sociedade o apoio e a atenção que nos devotam durante o resto do ano, é também, a oportunidade de darmos a conhecer o que fazemos e o que necessitamos e é, sobretudo, a forma de darmos a palavra e o palco às PcEM e suas famílias.

Conte-nos um pouco da sua história. O que a levou a procurar o médico? Que sintomas tinha?
Tive perda de sensibilidade nas mãos e dores fortes na cabeça e no pescoço.

Foi diagnosticada com 15 anos, mas só iniciou a terapêutica aos 18 anos. Porquê?
Fui diagnosticada aos 15anos, em Évora, onde vivo. Porém, na altura, como ia de férias para Sevilha o Neurologista sugeriu que fosse a uma Unidade especifica de Esclerose Múltipla (EM) em Sevilha de forma a ser vista por um especialista em EM. Fiz todos os exames de diagnóstico em Sevilha e foi-me dito que tinha síndrome neurológica isolada. Algo que poderia evoluir para alguma doença ou não.

Passei a ser seguida no hospital de Évora em Neurologia e indo também de seis em seis meses ao neurologista a Sevilha, de uma forma coordenada entre os dois médicos.  Na altura do meu diagnóstico há 17 anos, fui seguida de acordo com o que estava protocolado e fiz tudo o que deveria ser feito.

De qualquer forma, até aos 18 anos, não me foi dado um diagnóstico final de EM, só aos 18 anos é que tive outro sintoma – Sindrome de Lhermite (choques pela coluna quando baixava a cabeça) que clarificou o diagnóstico de EM, tendo iniciado logo a medicação.

Como é a sua vida atualmente?
Eu sou licenciada em Sociologia e fiz um mestrado. Depois, estive a trabalhar numa IPSS, mas decidi fazer uma pausa para tirar um doutoramento. Fiz tudo isto já com EM.

Conheci melhor a SPEM, porque a minha mãe era sócia, gostei e comecei a envolver-me. Nessa altura, também me tornei sócia, e, em 2019, fui eleita coordenadora da Delegação de Évora. Isto coincidiu com uma fase da minha vida em que não me sentia bem e que estava a mudar de médico. Não tinha propriamente sinais visíveis, não tive nenhum surto, mas sentia que a doença estava a evoluir. Não me sentia bem e a SPEM foi uma verdadeira família, gosto muito. Senti-me acolhida, senti que me percebiam.

Em 2020/2021 a SPEM candidatou-se a um programa para jovens desempregados, ganhou e, a partir dessa altura, passei a trabalhar oficialmente na SPEM na região do Alentejo dando apoio às delegações da SPEM em Évora, Beja e Portalegre. Depois disto integrei a Direção, como vogal, e agora, como vice-presidente. Portanto, trabalho na SPEM e continuo a ser voluntária, enquanto coordenadora da delegação de Évora da SPEM e vice-presidente.

Qual o impacto da EM na sua vida?
Eu nunca me assustei, mesmo quando o diagnóstico passou a ser claro. Penso que a forma como, em Sevilha, e claro que em Évora também, conduziram todo o processo ajudou muito. Foi um crescimento. Eu cresci a saber que tinha uma doença, mas que isso era normal e que podia fazer tudo.

Sou uma pessoa de fé, sempre fui. Talvez por isso, nunca associei o facto de ter EM a algo terrível. Nunca tive medo de não conseguir fazer a minha vida ou dos sintomas que tinha ou que pudesse vir a ter.

Tenho cada vez mais sintomas e algumas incapacidades já adquiridas, tenho atestado médico de incapacidade multiuso. Mas, claro que foi difícil aceitar que tinha uma deficiência. Foi um caminho que tive de percorrer.

Não vejo isto como um pesadelo. Pode parecer estranho, mas a EM trouxe-me tantas coisas boas, que nem as consigo enumerar a todas, mas a maior e mais importante é fazer parte da SPEM. É perceber que há uma família igual a mim, que me percebe.

A Psicoterapia também me ajudou. Já faço há alguns anos, tal como o exercício físico! Nunca gostei, mas sinto que me faz bem e que me tira as dores. A minha personal trainer começou a estudar EM e é bom saber que ajudei a criar uma pequena “comunidade” de pessoas que não têm EM e que não conheciam a doença, mas que através de mim perceberam que, apesar de termos limitações, podemos ter uma vida normal.

Obviamente, tenho de ir às consultas e não posso deixar de tomar a medicação, para que a doença não avance. Esta forma positiva de pensar tem-me ajudado a lidar com tudo o que tem acontecido. E uma coisa é certa, estou a tomar a medicação e vou fazê-lo para toda a vida pois acredito que esta contribui eficazmente para retardar a progressão natural da doença.

O que é que diria a um jovem que acabou de receber o diagnóstico de EM?
Quanto mais cedo se iniciar a medicação melhor. É uma forma de travar a evolução da doença e de evitar as suas consequências.

Alerto-os sempre para a importância de falarem com os seus médicos, de se informarem sobre a medicação, de perceberem os benefícios que lhes pode trazer no presente, mas sobretudo no futuro, e de a tomarem. É muito importante.

Por essa razão, a SPEM vai dar início à campanha STOP EM, que vai passar muito por aí: a importância de tomar a medicação, mesmo sem sintomas, para travar a evolução da doença.

 

“Quanto mais cedo se iniciar a medicação melhor. É uma forma de travar a evolução da doença e de evitar as suas consequências”

 

O que é a campanha STOP EM?
A campanha foi criada e vai ser lançada precisamente com este objetivo de sensibilizar os doentes para a adesão à terapêutica, assim que é recebido o diagnóstico de EM. Na SPEM recebemos uma grande percentagem de doentes com EM que não atua assim que recebe o diagnóstico da doença.

Felizmente, é cada vez mais frequente que o diagnóstico da EM seja feito de uma forma precoce logo após os primeiros sintomas ou surto.
Contudo, ainda continuam a existir casos de negação face ao diagnóstico por parte dos doentes e por isso de uma resistência na adesão à terapêutica numa fase inicial da doença.

Porém, o primeiro surto de EM pode trazer sequelas irreversíveis e bastante condicionadoras da qualidade de vida. Por essa razão, queremos sensibilizá-los para esta questão, que é de grande relevância.

Pretendemos com a STOP EM que quem recebe o diagnóstico de EM tenha noção do verdadeiro impacto das sequelas que um surto pode deixar nas suas vidas e de como é da sua responsabilidade evitar que isso aconteça. Tomar a medicação é a melhor forma de travar a progressão da doença e é preciso sensibilizar para uma adesão eficaz à terapêutica. Devo também referir que esta campanha STOP EM conta com o apoio da Novartis.

 

Texto : Sílvia Malheiro 

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