Doentes, sem alternativa, esperam há dois anos por medicamento inovador

Associações de doentes vão reunir com o Infarmed para perceber as razões do atraso na aprovação do ocrelizumab, um fármaco destinado às formas progressivas da Esclerose Múltipla.

Foto: Presidente da SPEM, Alexandre Guedes da Silva / © Mafalda Gomes

 

A denúncia é da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla. Um medicamento usado para combater a Esclerose Múltipla Primária Progressiva (um dos tipos da doença), o ocrelizumab, está há quase dois anos em avaliação no Infarmed e não chega a um grupo alargado de doentes. Em Espanha, o mesmo fármaco, comercializado pela Roche, já está a ser comercializado há um ano.

“Isto cria nos doentes um sentimento de incompreensão e revolta”, alerta Alexandre Guedes da Silva, presidente da SPEM, que questiona o atraso, tendo em conta que o limite imposto pelo Governo para o Infarmed avaliar um medicamento está fixado nos seis meses. “Este prazo nunca é cumprido”, acrescenta, em declarações ao SaúdeOnline.

As associações de doentes vão reunir com o Infarmed na próxima terça-feira para analisar esta questão. “Queremos perceber quais são os obstáculos. Se é um problema financeiro, queremos saber como vai ser ultrapassado. Nós temos de ser ouvidos. O Infarmed não pode achar que sabe tudo e que nós somos meros espectadores”.

Também o médico neurologista Vasco Salgado, que dirige a consulta de Esclerose Múltipla no Hospital Amadora-SIntra, deixa críticas à atuação do Infarmed. “A relação dos centros responsáveis pelo tratamento dos doentes de Esclerose Múltipla com o Infarmed deixa muito a desejar. Nem conseguimos identificar quem é o interlocutor que, no Infarmed, levanta dúvidas quanto ao medicamento A, B ou C”, refere o especialista do Hospital Fernando da Fonseca.

No caso do ocrelizumab, Alexandre Guedes da Silva sublinha que este fármaco (usado nas formas mais graves da doença) já foi disponibilizado em todos os países vizinhos de Portugal, nomeadamente do outro lado da fronteira, em Espanha. “Não há dúvida nenhuma da sua eficácia e da sua farmaeconomia“, diz.

Segundo o presidente da SPEM, não há alternativa a este medicamento. “É o primeiro que mostrou efetividade nas formas progressivas da doença”. Este medicamento retarda a paralisia física e a degeneração cognitiva em doentes que não apresentam surtos.

 

Infarmed contraria SPEM

Contudo, o Infarmed garante que todos os medicamentos autorizados na Europa para esclerose múltipla estão disponíveis em Portugal e que o fármaco que está em avaliação para financiamento no SNS (o ocrelizumab) tem sido dado aos doentes através de autorizações excecionais.

“Temos atualmente um medicamento da empresa Roche, que está em avaliação, mas também está a ser dado aos doentes através do mecanismo de acesso especial”, afirmou Rui Ivo, acrescentando que em cerca de ano e meio foram dadas perto de uma centena de autorizações especiais.

Contudo, Alexandre Guedes da Silva esclarece que muitos doentes que não têm acesso ao fármaco.

 

Carta de Princípios Orientadores

 

A polémica estalou na sequência da apresentação de uma carta de princípios orientadores para tratar, gerir e cuidar dos doentes com Esclerose Múltipla.

“É muito importante que os doentes com esclerose múltipla tenham acesso aos medicamentos inovadores, que estabilizam a doença e permitem uma maior qualidade de vida, não só para quem tem o diagnóstico, mas para todos aqueles que os acompanham”, afirmou o presidente da SPEM.

“Há estudos que mostram, por exemplo, que é possível manter autonomia e adiar a utilização de cadeira de rodas se os tratamentos adequados forem utilizados desde o início da doença. Isto tem um impacto muito significativo na vida das pessoas e das suas famílias. Temos de assegurar que os doentes portugueses têm acesso a estes tratamentos”, acrescenta Alexandre Guedes da Silva.

Na carta aberta, as associações defendem uma maior consciencialização sobre a esclerose múltipla, “incluindo a natureza invisível dos sintomas da doença”, e a definição de “normas nacionais para o diagnóstico precoce, tratamento e elegibilidade para uma melhor proteção social” destes doentes.

“No caso de suspeita de esclerose múltipla, as pessoas devem ser imediatamente encaminhadas para um médico especialista na doença que garanta o acesso aos melhores tratamentos em tempo útil e de forma equitativa”, consideram.

Defendem também que todos as pessoas com esclerose múltipla “devem ter acesso a um plano integrado de gestão da doença”, que inclua formação, acesso adequado a serviços de reabilitação e/ou psicológicos e aos melhores tratamentos “de forma atempada e adequada a cada caso”, bem como a uma monitorização contínua deste plano.

Pretendem ainda ver reconhecido o papel “do cuidador e dos seus benefícios indiretos para a sociedade” e concretizado o registo nacional da doença, “que capture todos os seus aspetos (…), caracterizando a progressão e medindo a qualidade de vida do doente e seu agregado familiar”.

Entre os princípios orientadores está igualmente a necessidade de garantir condições flexíveis de educação e emprego para as pessoas afetadas pela doença, sejam doentes, cuidadores ou familiares, incluindo medidas para mitigar o sistema.

“Estas medidas abrem caminho para que o cidadão com esclerose múltipla veja reconhecidos pela sociedade e implementados pelo Governo os passos necessários à sua integração plena na comunidade, sem discriminação nem estigma”, consideram.

A esclerose múltipla é uma doença crónica, autoimune, inflamatória e degenerativa, que afeta o sistema nervoso central, particularmente a mielina, uma bainha que rodeia, alimenta, protege e isola eletricamente as extensões dos neurónios, permitindo a rápida transmissão de impulsos.

Segundo a SPEM, a diversidade de sintomas e a ausência de indicadores específicos dificultam o diagnóstico. A doença surge frequentemente entre os 20 e os 40 anos de idade e afeta com maior incidência as mulheres. Estima-se que em todo o mundo existam cerca de 2,5 milhões de pessoas com esclerose múltipla e em Portugal mais de 8.000.

TC/SO

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