
Médico Oftalmologista Director Geral da InfoCiência
Despesa em Saúde: É Grande, Mas Podia Ser Menor…
O custo financeiro da saúde é muito significativo e tenderá sempre a aumentar. Esta é uma realidade sem retorno, consequência directa da melhoria do nível de vida das populações, do aumento da sua esperança de vida, do aumento na prevalência de doenças crónicas e degenerativas e dos custos associados ao desenvolvimento de novos fármacos e novos equipamentos de diagnóstico e tratamento.
Sendo esta a realidade, torna-se importante, por um lado, rever o investimento dedicado à saúde e adequá-lo às necessidades e, por outro, procurar potenciais fontes de desperdício de modo a optimizar esses recursos e a garantir que eles contribuem para o fim a que se destinam.
Uma comunicação recentemente publicada no Journal of the American Medial Association (JAMA) aborda este tema e revela dados surpreendentes*.
Este trabalho centra-se na realidade norte-americana, onde as despesas com saúde representam cerca de 18% do produto interno bruto, a proporção mais elevada em comparação com qualquer outro país, num valor que, em 2019, foi de 3,82 triliões de dólares americanos.
Num trabalho de revisão exaustivo, os autores quantificaram o desperdício em saúde num valor que ronda 25% do total da despesa com saúde, valor esse que se situa entre os 760 e os 935 biliões de dólares americanos.
Foram identificadas seis áreas fundamentais de desperdício:
- Insuficiência na prestação de cuidados
- Insuficiência na coordenação dos cuidados
- Excesso de tratamento ou cuidados de valor reduzido
- Insuficiência na definição do preço dos cuidados
- Fraude e abuso
- Complexidade administrativa
Destas seis categorias, as duas que geraram mais desperdício foram a insuficiência na definição do preço dos cuidados e a complexidade administrativa.
As possibilidades de intervenção são inúmeras e, neste trabalho, muitas são revistas:
Para a insuficiência na prestação de cuidados:
Intervenções que abordem os eventos adversos hospitalares e as infecções nosocomiais; incentivos a uma melhor eficiência dos médicos; integração da saúde física e ambiental; parcerias com campanhas organizadas pelos pacientes; directrizes padronizadas para os modelos de pagamento; iniciativas para a prevenção da diabetes, obesidade, tabagismo e cancro.
Para a insuficiência na coordenação dos cuidados:
Desenvolvimento de estratégias baseadas em serviços de emergência; coordenação e cuidados através de organizações credíveis; intercâmbio de informação sobre saúde; programas de cuidados de transição; cuidados efectivos para doentes com quadros clínicos complexos
Para o excesso de tratamento ou cuidados de valor reduzido:
Optimização do uso dos medicamentos; procedimentos de autorização prévia; estratégias pioneiras envolvendo organizações credíveis para redução do excesso de tratamento; estratégias de processo de decisão partilhado para redução de procedimentos desnecessários; expansão do acesso hospitalar.
Para a insuficiência na definição do preço dos cuidados:
Intervenções sobre o preço dos medicamentos; intervenções sobre o preço com base nas seguradoras; transparência nos preços das consultas e exames laboratoriais.
Para a fraude e abuso:
Recuperação de condenações em tribunal e acordos por fraude; estratégias legislativas, administrativas e de integridade
Para a complexidade administrativa:
Curiosamente, para esta última categoria, não foi encontrado nenhum trabalho que propusesse medidas correctivas…
Provavelmente, uma melhoria do fluxo de informação e a existência de processos de facturação e autorização mais automatizados poderá ser uma das vias. Outro aspecto relevante será a colaboração entre as entidades pagadoras e os sistemas de saúde com o propósito de se gerarem modelos de pagamento baseados no valor dos cuidados. A redução do fardo administrativo associado a inúmeras tarefas do quotidiano será um passo essencial na redução do desperdício em saúde.
Tudo o que aqui se exemplifica fará sentido num sistema de saúde mas poderá não o fazer noutro. Mas é um exercício que tem de ser feito.
Qual será o desperdício com os gastos de saúde em Portugal? Quais as suas causas? Quanto se poderá poupar identificando e corrigindo essas causas?
Eis questões que, face à pressão dos constrangimentos financeiros e à absoluta necessidade de mais e melhores cuidados de saúde, importa responder.
A saúde é continuará a ser cara. Mas poderá sê-lo muito menos se soubermos gerir bem os nossos recursos.
E isto vale, obviamente, para tudo o resto…
* William H. Shrank e col., Waste in the US Health Care System Estimated Costs and Potential for Savings
JAMA. Publicado online a 7 de Outubro de 2019.