“Coronavírus pode aumentar risco de agudização da asma”

O vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) e co-coordenador da Rede de Especialistas em Asma Grave (REAG) alerta para que “se evitem os nebulizadores sempre que possível, pelo risco de disseminação de vírus".

De que forma a pandemia alterou a celebração do Dia Mundial da Asma?

Dr. José Alberto Ferreira – O Dia Mundial da Asma é um evento anual comemorado desde 1998, organizado pelo “Global Initiative for Asthma” (GINA) e ao qual a Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) se associa, que tem por objetivo chamar a atenção para esta doença, em todo o mundo.

O objetivo destas campanhas é sensibilizar a população para a necessidade de conhecer a asma e as suas complicações, procurando melhorar a adesão ao tratamento e parar a evolução da doença.

Celebra-se anualmente na primeira terça-feira do mês de maio, que este ano seria no dia 5 de maio. Digo “seria”, porque este ano, dada a pandemia em que vivemos, o board do GINA decidiu adiar a iniciativa para data a definir.

O tema proposto pelo Global Initative for Asthma para 2020 é “Enough Asthma Deaths”. Qual é a situação em Portugal?

A asma é uma doença crónica frequente e potencialmente grave, que afeta crianças e adultos que, não tendo cura, pode ser controlada. É uma doença subdiagnosticada e subtratada que afeta mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo. Estima-se que em Portugal a asma afete cerca de 700 mil residentes (6,8% da população), e que existam cerca de 175 mil crianças/adolescentes asmáticos em Portugal (8,4% das crianças tem asma).

De acordo com os dados nacionais, cerca de metade das pessoas com asma não tem a sua doença controlada. Um dos maiores obstáculos para alcançar o controlo resulta do facto da grande maioria dos doentes não controlados (9 em cada 10) achar que está bem. A não adesão ao tratamento e a utilização incorreta dos dispositivos inalatórios, conduzem à ausência de controlo.

Os dados relativos à mortalidade por asma em Portugal mostram que, desde 1980, a taxa de mortalidade diminuiu ao longo dos anos para cerca de 1/6. Esta redução estará associada a alterações significativas em termos do tratamento, com maior recurso ao uso de corticoides inalados na terapêutica de controlo.

Em Portugal, o número de óbitos por asma é baixo, sendo a taxa de mortalidade semelhante à dos países com os melhores indicadores de saúde.

Apesar de baixo, é preciso salientar que a maioria destas mortes poderia ter sido evitada com o reconhecimento atempado da gravidade da situação e com o tratamento controlador adequado que impedisse a perda de controlo da asma.

Qual o impacto de uma eventual infeção pelo SARS-CoV-2 num doente com asma e quais os fatores a que os profissionais de saúde devem estar especialmente atentos?

Os dados atuais sobre a doença não parecem indicar que ser alérgico ou asmático acarrete um risco aumentado de contrair infeção por coronavírus. O sistema imunológico de uma pessoa alérgica funciona como o de uma pessoa não alérgica no que diz respeito à sua função de defesa contra microrganismos.

Os asmáticos precisam ter mais cuidado, pois qualquer infeção respiratória pode desestabilizar sua asma. O coronavírus pode induzir um maior grau de inflamação nas vias aéreas e, por consequência, aumentar o risco de agudização da asma.

No doente asmático, a minha primeira chamada de atenção irá para a necessidade do cumprimento escrupuloso do tratamento prescrito pelo médico para manter a asma sob controlo. Fazer o tratamento de forma irregular ou interrompê-lo porque está assintomático poderá fazer aumentar a inflamação brônquica, levando à perda de controlo da asma.

O asmático deve ser mais vigilante e disciplinado com as medidas gerais de prevenção do contágio por coronavírus: lavagem frequente das mãos, evitar tocar no nariz e nos olhos, manter o distanciamento social, em especial com pessoas que apresentem sintomas de infeção respiratória (por menor que seja) e o uso de uma máscara se precisar frequentar áreas de maior risco.

O controlo da asma, evitando as exacerbações, é uma das principais preocupações dos profissionais de saúde. Qual a melhor estratégia para lidar com este problema? O que dizem as guidelines?

As guidelines do GINA dão ênfase a duas vertentes: a necessidade de se atingir um bom controlo dos sintomas que possibilite manter uma vida normal e, de igual forma, minimizar o risco futuro de mortalidade, de exacerbações, da limitação persistente do fluxo da via aérea e dos efeitos laterais do tratamento.

Para atingir esses objetivos, é preciso que haja uma parceria entre o doente e os profissionais de saúde, estabelecer com este quais são seus próprios objetivos em relação à asma, através de estratégias de comunicação adequadas, considerando o sistema de assistência médica, a disponibilidade de medicação, as preferências culturais e pessoais e conhecimentos de saúde.

Atendendo à pandemia em que vivemos, no início deste mês o board do GINA publicou um update das guidelines aconselhando os asmáticos a continuarem a tomar os medicamentos prescritos para asma, particularmente corticoides inalados (ICS) e corticoides orais (OCS) prescritos pelo seu médico, pois a interrupção dos ICS pode levar a um agravamento potencialmente perigoso da asma. Os doentes com asma grave devem continuar a terapêutica com agentes biológicos.

É ainda importante que os asmáticos tenham um plano de ação escrito com instruções sobre como fazer:

– o aumento da medicação de controle e alívio quando a asma piora;

– um curso curto de OCS nas exacerbações graves de asma;

– quando procurar ajuda médica.

Alerta, ainda, para que se evitem os nebulizadores sempre que possível pelo risco de disseminação de vírus para outros doentes e profissionais de saúde. O inalador pressurizado através de uma câmara expansora deve ser preferido durante exacerbações graves, com bocal ou máscara facial, se necessário.

Também exames respiratórios com a espirometria ou mesmo o uso do peak-flow estão desaconselhados pelo risco de disseminação de partículas víricas, expondo profissionais e outros doentes a riscos desnecessários.

Que mensagem gostaria de deixar, na qualidade de vice-presidente da SPAIC, nesta data tão significativa?

Nesta etapa tão conturbada da nossa vida, quero deixar uma mensagem de tranquilidade e de esperança aos doentes com asma.

O cumprimento da medicação prescrita para a asma é essencial para que possam manter o controlo da doença. E não há necessidade de haver receios, uma vez que os tratamentos disponíveis são muito seguros.

AO

 

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