21 Jun, 2018

Cesarianas assumem “proporções epidémicas” em Portugal. No privado, representam mais de metade dos nascimentos

Rácio de cesarianas até caiu para cerca de 27,6% mas há unidades de saúde que continuam a não conseguir cumprir o limite de partos com recurso a cirurgia, sendo penalizadas por isso. OMS recomenda que não ultrapassem os 15%.

O recurso à cesariana atingiu “proporções epidémicas” nos últimos 20 anos em Portugal e não está a diminuir como seria desejável, com uma prevalência de 27,6% nos hospitais públicos e o dobro nos privados. O alerta está no Relatório de Primavera 2018 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde.

A prevalência desta prática obstétrica aumentou em todo o mundo neste período, “muito para além da frequência esperada das indicações clínicas” e Portugal não foi exceção, estando mesmos entre os países da Europa com mais alta prevalência.

Nos hospitais públicos houve uma “modesta descida nas prevalências”, de 36,3% em 2010 para 27,6% em 2015. Contudo, “há uma diferença marcada entre a experiência de hospitais públicos e hospitais privados, que nenhuma regra de boas práticas ou combinação de risco poderá explicar”. Apesar da diminuição no SNS, no ano passado, 11 dos 37 hospitais que têm salas de parto excederam o limite de cesarianas. Esse limite está fixado em 29,5% ou 31,5% dos nascimentos, consoante o grau de diferenciação, a partir do qual são penalizados financeiramente (com o ministério a deixar de comparticipar os internamentos que excedam os máximos previstos).

O número de partos que acabam com uma cesariana ronda os 25% na média geral de todas as 37 unidades e nenhum hospital fica baixo dos 22%, ainda longe dos 15% recomendados pela Organização Mundial de Saúde. A taxa de cesarianas é um indicador internacional de qualidade dos cuidados obstétricos.

Em 2017, a situação mais preocupante foi a Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda, onde 40% dos partos foram realizados com recurso a cirurgia. Ao DN, a administração explicou que as razões para os valores muito acima da média nacional são “o próprio número de partos, as pressões exercidas pelas parturientes e a carência de recursos humanos na área da anestesia que faz com que não haja anestesia epidural durante a noite”. Outra ULS, a do Nordeste, segue-se na lista das unidades com percentagens mais altas de cesarianas (37,5%). Neste caso a administração justifica os números com o facto de ali se realizaram poucos partos por ano (cerca de 470), o que faz sobressair o rácio de cesarianas.

Em terceiro na lista está Centro Hospitalar da Cova da Beira (CHCB), na Covilhã, aquele em que o peso das cesarianas no total de partos mais aumentou desde 2013 (28,6%) até 2017 (36,1%). O diretor clínico adjunto do CHCB, Carlos Gomes, explicou ao Público que o aumento registado naquela unidade hospitalar se prende com o aumento da complexidade dos partos – que tem a ver com o facto de as mulheres terem filhos cada vez mais tarde – e com o aumento das gravidezes fruto de técnicas de procriação medicamente assistida. Foram também estas as razões apontadas pela Direção Geral de Saúde (DGS) para explicar a proporção ainda elevada de cesarianas em Portugal.

Carlos Gomes explica que o número relativamente baixo de partos por ano (nascem, em média, menos de duas crianças por dia) e a viagem de três horas e meia de ambulância para o hospital com cuidados diferenciados mais próximo, em Coimbra, fazem com que alguns médicos, “por ansiedade ou sobressalto”, antecipem o parto por cesariana com o objetivo de diminuir o risco de complicações.

 

Mais de 60% dos partos no privado são cesarianas

 

Apesar de a frequência de cesarianas ter descido ligeiramente nos hospitais privados neste período, de 67,5% e 63,4%, situa-se em valores que são o dobro dos verificados em hospitais públicos, sustenta o relatório, que acrescenta que a a diferença abissal entre o público e privado não explicação.

O porta-voz do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, Henrique Barros, diz que as grávidas dos serviços privados até deviam ter menos complicações do que os públicos, até porque estes últimos recebem, em teoria, os casos mais difíceis. O investigador e professor catedrático de medicina admite que esta enorme diferença entre público e privado nas cesarianas pode ter na base interesses económicos, mas também questões culturais e formas diferentes de encarar o parto.

A cesariana é um procedimento desaconselhado, que acarreta riscos para as mães e para a saúde futura dos bebés. Aumenta a probabilidade de a mulher precisar de outra cesariana, pode provocar lesões uterinas, agrava o risco de aparecimento de algumas doenças e aumenta também o risco de a mãe não poder amamentar, enumera Henrique Barros à TSF.

Para os autores do relatório, as elevadas taxas de cesarianas representam “um fator de risco para a mãe e criança”, exigem estudos com profissionais e utentes que permitam “desenhar, testar e implementar formas de atuação sensíveis” à cultura do país, mas que “respeitem as boas práticas clínicas, assegurando às mulheres um conhecimento sólido das consequências imediatas e no curso de vida, da opção pelo parto cirúrgico ou por intervenções como a episiotomia”.

É, curiosamente, num hospital gerido em regime de parceria público-privado, o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, que se regista a taxa de cesarianas mais baixa do país. O ano passado foi de 19,8%, abaixo da média nacional. Apenas em 2013 ultrapassou os 22%. Fonte hospitalar explica os bons resultados com o rejuvenescimento do quadro médico – apenas seis dos 24 especialistas têm mais de 50 anos – e à disponibilidade de tecnologia que permite fazer um “rigoroso controlo” dos procedimentos de aceleração artificial do parto (é preciso autorização prévia do coordenador de serviço para induzir o nascimento).

Apesar das elevadas taxas, há quem desdramatize os números. Luís Graça, da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal, disse ao DN que “termos uma média de 25% não é chocante e é até uma evolução positiva, tendo em conta que há oito anos tínhamos uma taxa média de 33%”. Também a DGS destaca que a taxa de cesarianas tem vindo a diminuir e avisa que “é preciso considerar nesta redução das taxas de cesariana que uma diminuição drástica e muito rápida pode não assegurar a segurança para as mulheres e crianças”.

Saúde Online

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