1 Ago, 2025

Cancro do pulmão. Rastreio com TAC permitiu “redução de mortalidade em 20–25%”

O cancro do pulmão continua a ser diagnosticado tardiamente e o Governo anunciou que iria implementar, em breve, dois projetos-piloto de rastreio. Daniela Madama, membro da Comissão Científica do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão (GECP), aborda a importância desta medida, mas sem deixar de realçar os desafios inerentes, para que se dê uma resposta adequada a todos os resultados positivos.

Cancro do pulmão. Rastreio com TAC permitiu “redução de mortalidade em 20–25%”

Qual a prevalência de cancro do pulmão em Portugal?

O cancro do pulmão é a principal causa de morte por cancro em Portugal e em todo o mundo. A prevalência não é fácil de calcular. A maioria dos dados de que dispomos focam-se, sobretudo, na incidência e na mortalidade associada a esta patologia. Sabemos que a incidência está a crescer, com mais de 6.000 novos casos estimados em 2022. Em 2023, a mortalidade por cancro do pulmão alcançou um máximo de pelo menos 4.490 óbitos, o valor mais elevado desde 2002, com uma evolução preocupante, especialmente entre as mulheres.

 

Qual o tipo de cancro do pulmão mais comum e que o que causa maiores desafios?

O tipo mais comum de cancro do pulmão em Portugal é o carcinoma pulmonar de não pequenas células (NSCLC), responsável por cerca de 85% dos casos, dos quais o subtipo mais frequente é o adenocarcinoma pulmonar (cerca de 40% dos casos de NSCLC). É também um dos subtipos que traz maiores desafios na prática clínica, devido à sua deteção tardia e à necessidade de uma abordagem personalizada complexa.

Por outro lado, o carcinoma de pequenas células do pulmão (SCLC), embora menos frequente (10 a 15% dos casos), é particularmente agressivo e difícil de tratar, uma vez diagnosticado. Está associado a uma alta taxa de metastização precoce (com cerca de 70% dos pacientes já com metástases à data do diagnóstico) e sobrevidas médias muito baixas, na ordem dos 6% aos 5 anos.

“Aproximadamente, 70% dos doentes são diagnosticados numa fase avançada, quando o tumor já se estendeu localmente ou metastizou”

Os doentes ainda tendem a pedir ajuda numa fase tardia?

Sim, de facto, a maioria dos doentes com cancro do pulmão em Portugal continua a procurar ajuda médica apenas numa fase tardia da doença. Aproximadamente, 70% dos doentes são diagnosticados numa fase avançada, quando o tumor já se estendeu localmente ou metastizou. Isto acontece, porque um dos grandes problemas do cancro do pulmão é o seu crescimento silencioso, sem provocar sintomas específicos em muitos pacientes. Assim, a tosse, o cansaço, a perda de sangue na expetoração e a dor acabam por surgir por invasão de estruturas adjacentes ao pulmão, o que traduz a tal doença avançada.

A Secretária de Estado da Saúde, Ana Povo, anunciou o avanço de dois projetos-piloto de rastreio do cancro do pulmão para fumadores e ex-fumadores. O que já se sabe sobre este programa?

Ana Povo revelou que o país terá dois projetos-piloto de rastreio do cancro do pulmão em breve, com investimento anual médio estimado de €50 milhões, e com dotação orçamental própria a partir de 2026. Em fevereiro de 2025, a Direção-Geral da Saúde (DGS) formou um grupo de trabalho composto por especialistas de várias áreas (pneumologistas, oncologistas, radiologistas) para estabelecer os termos de referência do futuro programa de rastreio, incluindo: critérios de elegibilidade para o rastreio; tipo de teste a realizar (radiológico ou clínico); o que fazer aos pacientes com resultados positivos; número mínimo de indivíduos para avaliar em cada projeto-piloto; e indicadores de avaliação e métricas de sucesso.

Os critérios recomendados para inclusão de doentes nos projetos-piloto do rastreio baseiam-se em dois grandes estudos internacionais, publicados há vários anos (National Lung Screening Trial e o estudo NELSON), sendo o método recomendado a TAC torácica de baixa dose. A realização deste exame complementar de diagnóstico permitiu a redução de mortalidade em 20–25% nos referidos estudos internacionais. Assim os critérios preconizados são: idade entre 50 e 75 anos; fumadores atuais ou ex-fumadores (há menos de 15 anos); carga tabágica de > 20 unidades maço-ano.

“Sabemos que a falta de profissionais de saúde e as desigualdades regionais no acesso à Oncologia dificultam a resposta rápida a muitos casos positivos”

Após iniciar-se o rastreio, e com a sua expansão a mais localidades, considera que Portugal vai conseguir dar resposta aos positivos?

Portugal tem uma base estrutural no SNS para conseguir responder adequadamente aos casos positivos, desde que os projetos-piloto definam fluxos operacionais eficazes e adaptados à nossa realidade. O investimento em infraestruturas e recursos humanos deverá também ser apropriado e adequado às exigências do número de resultados positivos. É necessário, ainda, que haja articulação entre os centros de rastreio e os serviços de diagnóstico e tratamento. Sabemos que a falta de profissionais de saúde e as desigualdades regionais no acesso à Oncologia dificultam a resposta rápida a muitos casos positivos, mas o importante é que destes projetos-piloto se consigam definir estratégias, que nos possam permitir ultrapassar estas limitações.

Que outros desafios se terão de enfrentar para a implementação generalizada do rastreio?

A implementação generalizada do rastreio do cancro do pulmão, em Portugal, enfrentará vários desafios significativos, que vão além do financiamento ou do poder político. Estes desafios têm sido largamente discutidos nos vários meios de comunicação social, e acho que posso salientar alguns:

  • Recrutamento e envolvimento dos cuidados primários: identificar a população-alvo (fumadores, ex-fumadores, 50‑75 anos, >20 unidades maço‑ano) exige o envolvimento ativo dos médicos de família.
  • Capacidade técnica e recursos humanos: Portugal possui escassez de radiologistas essenciais para interpretar as TAC torácicas de baixa dose, havendo também poucos centros com experiência em avaliação e seguimento de nódulos pulmonares.
  • Padronização clínica e qualidade: são necessárias normas claras para a classificação de nódulos, definição de intervalos de rastreio, duração do rastreio e gestão de resultados incidentais, para espelhar a segurança e eficácia dos grandes ensaios clínicos internacionais que já referi.
  • Gestão de falso‑positivos: há também que ter em conta o risco de sobrediagnóstico, ou tratamentos desnecessários.
  • Necessidade de integração do rastreio com cessação tabágica e políticas de prevenção do tabagismo principalmente nas camadas mais jovens.
  • Heterogeneidades regionais e desigualdade de acesso a cuidados de saúde que podem comprometer a adesão e a eficácia do rastreio.

“A grande maioria dos fumadores refere estar pouco motivado para a cessação, mesmo tendo conhecimento dos riscos”

Em termos de terapêuticas, Portugal tem uma boa resposta, em comparação com outros países?

Felizmente, posso dizer que no nosso país não há grandes limitações no acesso à terapêutica preconizada nas guidelines internacionais. O acesso aos tratamentos mais inovadores, como a imunoterapia e terapias-alvo, está disponível, tendo em conta o subtipo histológico, alguns biomarcadores e mutações específicas. No entanto, o país ainda apresenta algumas limitações, particularmente no acesso limitado a painéis moleculares de diagnóstico inicial em muitas regiões do país, uma participação reduzida em ensaios clínicos e reembolso limitado de fármacos aprovados pela Agência Europeia do Medicamento (EMA).

  

Além do diagnóstico precoce e do tratamento, é importante a prevenção. O que falta neste âmbito, tendo em conta que se continua a fumar, inclusive cigarros eletrónicos?

A prevenção do tabagismo em Portugal enfrenta vários desafios críticos, especialmente com a crescente popularidade dos cigarros eletrónicos. Têm sido definidas metas ambiciosas no que diz respeito à prevenção do tabagismo, mas Portugal continua atrás da maioria dos países europeus. A nossa lei não distingue os cigarros eletrónicos dos produtos de tabaco tradicionais, e também não restringe as áreas de venda e consumo, por exemplo em locais públicos próximos a escolas ou esplanadas.

Sabemos também que no nosso país, a motivação para deixar de fumar é muito baixa. A grande maioria dos fumadores refere estar pouco motivado para a cessação, mesmo tendo conhecimento dos riscos. É essencial intensificar as campanhas educativas específicas para jovens, bem como melhorar a rede de apoio à cessação tabágica, uma vez que o apoio comportamental e farmacológico ainda é desigual e pouco acessível em muitas regiões.

Outro dos grandes desafios da cessação tabágica é a falta de comparticipação dos fármacos que temos disponíveis para ajudar os fumadores neste processo. Uma grande faixa da nossa população não tem capacidade económica para comprar estes produtos, sendo o preço elevado mais um fator limitante da adesão à cessação. Apesar dos esforços desenvolvidos, Portugal ainda precisa de políticas mais rigorosas e coerentes se quiser enfrentar eficazmente o tabagismo ‘tradicional’ e o uso das novas formas de tabagismo.

Maria João Garcia

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