1 Mar, 2023

Cancro da tiroide. “As terapêuticas dirigidas devem ser utilizadas para melhorar o prognóstico dos doentes”

Em entrevista, o endocrinologista Miguel Melo salienta que as chamadas terapêuticas dirigidas oferecem taxas de resposta superiores e uma menor toxicidade nos doentes com cancro da tiroide. O especialista destaca ainda os “resultados impressionantes” do ensaio que avaliou uma nova terapêutica dirigida, o selpercatinib, no tratamento de doentes com dois tipos de carcinoma da tiroide avançado e com mutação do gene RET (uma mutação presente na maioria dos casos).

Como tem evoluído a incidência de casos de cancro da tiroide em Portugal e quais os principais desafios na gestão dos doentes?

Tal como na generalidade dos países ocidentais, a incidência de casos de cancro da tiroide tem aumentado nos últimos anos, fruto fundamentalmente do diagnóstico de tumores de muito baixo risco (em parte, devido ao que chamamos “sobrediagnóstico”). No entanto, estudos realizados nos EUA e em alguns países europeus mostram que os casos mais graves/avançados também parecem estar a aumentar.

Existem vários desafios em 2023 no que diz respeito à Oncologia Tiroideia. Um dos principais é a correta individualização da terapêutica inicial, permitindo tratar cada doente de uma forma eficaz e com o mínimo de iatrogenia, poupando-o a intervenções desnecessárias. Outro grande desafio prende-se com o timing para o início das terapêuticas sistémicas e a escolha do agente farmacológico nos doentes com carcinomas avançados e progressivos.

A incidência de casos de cancro da tiroide tem aumentado nos últimos anos, fruto fundamentalmente do diagnóstico de tumores de muito baixo risco.

 

Que avanços têm surgido no tratamento deste tipo de cancro e quão decisiva pode ser a medicina de precisão, nomeadamente na melhoria do prognóstico dos doentes?

No tratamento, o principal avanço que surgiu foi o aparecimento das terapêuticas dirigidas, que nós também chamamos de inibidores de proteínas tirosina-cinase de segunda geração. Esta classe de fármacos permite taxas de resposta superiores e uma menor toxicidade em comparação com as terapêuticas inespecíficas (ou inibidores de primeira geração). Claro que a utilização desta classe pressupõe a presença de uma alteração molecular específica.

 

Quão importante é o diagnóstico molecular e a descoberta de novos alvos? Que percentagem dos casos de cancro da tiroide expressam mutações de genes alvo (BRAF, RET, NTRK, etc)?

O diagnóstico molecular atinge uma importância crescente em termos de diagnóstico de malignidade (amostras de citologia), estratificação de prognóstico (TERT e BRAF) e terapêutica dirigida (RET, NTRK e BRAF, para já). Quando falamos da relevância dos genes alvo na perspetiva das terapêuticas dirigidas, é necessário estratificar pelo tipo histológico. No caso do carcinoma medular avançado, a maioria dos casos – cerca de 70% – apresentam mutação no RET. Quando falamos dos carcinomas derivados do epitélio folicular avançados refratários ao iodo, cerca de 40% apresentam mutações no BRAF, 10% rearranjos do RET e 10% rearranjos do NTRK. Podemos assim dizer que, em termos de terapêuticas aprovadas, cerca de 20% têm potenciais alvos, não esquecendo que existem também terapêuticas dirigidas para o BRAF que poderão ser utilizadas offlabel. No caso dos carcinomas anaplásicos, 20-40% apresentam mutações no BRAF.

 

Até que ponto o diagnóstico molecular está disseminado nos centros de tratamento em Portugal e que diferença pode fazer no que diz respeito, por exemplo, às taxas de mortalidade dos doentes com cancro da tiroide?

Em Portugal, o diagnóstico molecular é realizado de forma centralizada num pequeno número de laboratórios. No entanto, o diagnóstico está disponível para qualquer unidade hospitalar, desde que a amostra seja enviada, juntamente com um termo de responsabilidade. Não temos dados relativos a diferenças de resultados entre centros (nomeadamente em termos de mortalidade), mas é consensual que as melhores terapêuticas, incluindo as dirigidas, devem ser utilizadas no momento certo para melhorar o prognóstico dos doentes.

 

Neste momento, existe uma opção terapêutica para doentes com cancro da tiroide e mutação do gene RET, o selpercatinib. A que conclusões chegou o ensaio LIBRETTO-001 acerca da eficácia e segurança deste fármaco?

O ensaio LIBRETTO-001 foi um ensaio fase 1-2 que selecionou doentes com carcinoma medular da tiroide avançado ou carcinoma derivado do epitélio folicular da tiroide avançado, com base na presença de mutação ou rearranjo no gene RET. Os resultados foram impressionantes, com taxas de resposta na ordem dos 70% no carcinoma medular e ainda superiores no carcinoma derivado do epitélio folicular, embora no último caso numa amostra consideravelmente mais pequena.

Salienta-se o facto de as respostas globais terem sido semelhantes quer os doentes tivessem sido submetidos a outras terapêuticas sistémicas prévias (inibidores inespecíficos ou de primeira geração), quer fosse o selpercatinib a primeira terapêutica sistémica a ser utilizada. Apesar do tempo de seguimento ser curto (medianas entre os 11 e os 19 meses nos diferentes tipos histológicos), a sobrevivência livre de progressão um ano após o início do tratamento foi de 64% no carcinoma medular. A toxicidade global foi também positiva, com a maior parte dos eventos adversos a ser classificada como grau 1 ou 2. Comparativamente com as terapêuticas sistémicas até agora disponíveis (inibidores inespecíficos ou de primeira geração), o selpercatinib mostrou melhores taxas de resposta e um perfil de toxicidade mais favorável.

SO

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