20 Nov, 2025

“A inteligência artificial será uma poderosa aliada, mas nunca substituirá o raciocínio clínico do médico”

Marisa Santos, presidente do XXXIV Congresso Nacional de Coloproctologia, sublinha que a era digital está a transformar profundamente a prática médica, trazendo oportunidades únicas, mas também desafios éticos e formativos. Sob o mote “Desafios em Coloproctologia na Era Digital”, o encontro, que decorre em Braga, aposta numa forte componente prática e na integração da inteligência artificial como ferramenta de apoio ao diagnóstico e à decisão cirúrgica, sem perder de vista o essencial: a relação médico-doente e o raciocínio clínico sustentado na experiência e na evidência.

“A inteligência artificial será uma poderosa aliada, mas nunca substituirá o raciocínio clínico do médico”

O congresso de 2025 decorre sob o mote “Desafios em Coloproctologia na Era Digital”. Que transformações e desafios considera mais relevantes nesta nova era, tanto para os profissionais como para os doentes?
As principais transformações em Coloproctologia na era digital, sob o ponto de vista médico, são a constante evolução tecnológica, o surgimento de novos conceitos médico-cirúrgicos e a integração harmoniosa e eficaz da inteligência artificial como ferramenta facilitadora da aprendizagem, do diagnóstico e do apoio à decisão cirúrgica. Os principais desafios do ponto de vista médico são a manutenção de um raciocínio lógico, baseado na experiência e na evidência clínica, relacionado e centrado no doente, sem descurar a sensatez na tomada de decisões clínicas. Relativamente ao doente, as principais transformações e desafios da era digital são o acesso à informação médica não triada, que pode levar à desinformação e ao risco de rotura da relação médico-doente, fruto de uma comunicação insuficiente e ineficaz, causada por inputs externos.

 

A digitalização está a mudar a forma de diagnosticar, planear e operar. Na sua opinião, de que forma a Inteligência Artificial vai impactar a Coloproctologia – e o que ainda falta para a sua integração plena na prática clínica?
A digitalização vai ser uma poderosa ferramenta facilitadora do diagnóstico, do planeamento terapêutico e cirúrgico. A sua integração na prática clínica poderá aumentar a rapidez e sensibilidade dos exames complementares de diagnóstico, ajudar na criação de algoritmos de diagnóstico e tratamento, facilitar a aprendizagem e auxiliar na prevenção de erros cirúrgicos durante a realização do ato cirúrgico. A utilização na prática cirúrgica ainda está numa fase de desenvolvimento, e possivelmente a forma como exercemos a medicina e os meios auxiliares de que dispomos irão sofrer grandes transformações nos próximos anos.

 

A inovação tecnológica traz também dilemas éticos e regulatórios. Como garantir que a tecnologia é uma aliada e não um risco para a segurança e a decisão clínica?
A utilização da inteligência artificial na prática clínica não substitui o conhecimento e a experiência do médico. Para que a IA seja uma ferramenta facilitadora, é necessário que o médico tenha uma formação sólida, de modo a utilizá-la de forma eficaz e sem se tornar um elemento de confusão ou de erro na tomada de decisão. Como uma ferramenta nova, com capacidade ainda não totalmente abrangente, a IA necessita, evidentemente, de mecanismos regulatórios e pode contribuir para dilemas éticos quando mal utilizada ou quando informações sensíveis são obtidas e utilizadas de forma irregular, em desacordo com as regras de confidencialidade às quais todo médico está sujeito.

 

O programa científico revela uma forte aposta na formação prática — com sete cursos pós-graduados, de áreas muito distintas. Que lacunas ou necessidades formativas quiseram responder com esta estrutura?
O programa aposta fortemente na formação prática. Pretende-se, com isto, colmatar algumas lacunas na formação dos profissionais de saúde, com particular interesse na área de Coloproctologia. Hoje em dia, é fácil adquirir conhecimentos teóricos em várias fontes, mas a transposição da teoria para a prática clínica pode ser complexa. Pretende-se, com esta diversidade de cursos, atender às necessidades dos mais jovens em formação, proporcionando-lhes o contacto com elementos de referência e elevada experiência clínica.

 

Mostram também uma aposta na especialização e no trabalho em equipa. Essa abordagem multidisciplinar já é uma realidade consolidada em Portugal?
Esta sociedade espelha bem o que há de melhor em termos de sinergia e trabalho em equipa entre os médicos da área de Gastroenterologia e de Cirurgia geral, com particular interesse ou especialização em Coloproctologia. O trabalho conjunto das duas áreas permite especialização e contribui para uma medicina de excelência, que a todos nós nos orgulha. Esta abordagem multidisciplinar é já uma realidade em vários centros em Portugal, mas deve ainda ser expandida e consolidada, algo que esta Sociedade e Congresso têm como objetivo principal.

 

Qual o papel do Congresso Nacional de Coloproctologia e da Sociedade Portuguesa de Coloproctologia no crescimento e na atualização contínua dos profissionais desta área?
A Sociedade e, em particular, este congresso têm um papel crucial na formação contínua dos profissionais desta área e pretendem cativar e motivar as gerações mais novas para esta área do conhecimento, numa perspetiva de virem a fazer mais e melhor.

 

Que tendências internacionais merecem, na sua opinião, maior atenção por parte dos coloproctologistas portugueses, seja em cirurgia minimamente invasiva, novas terapias ou organização dos serviços?
As técnicas endoscópicas e cirúrgicas minimamente invasivas são áreas sensíveis que despertam sempre grande interesse. Por outro lado, novas terapêuticas médicas já incluídas na prática médica ou em vias de serem utilizadas são também aspetos de grande interesse e aplicabilidade. Para que estes aspetos citados sejam realizados e sustentáveis, é imprescindível a organização dos serviços, tema de interesse que não deve ser descurado nesta área, que envolve elevados investimentos e custos.

 

Presidir a um congresso desta dimensão é uma grande responsabilidade. O que foi mais desafiante neste processo e o que mais a tem motivado ao longo desta organização?
Presidir a um congresso desta dimensão é uma responsabilidade e uma honra. O maior desafio na elaboração deste congresso foi a estruturação de um programa científico forte e equilibrado, capaz de interessar a todos os profissionais de saúde que trabalham ou gostariam de trabalhar na área da Coloproctologia, com aprendizagem contínua e interpares, com benefícios reais para os profissionais de saúde e para o doente.

 

Que mensagem gostaria de deixar aos que chegam a Braga nestes dois dias de aprendizagem e partilha?
A todos, desejo que usufruam da partilha de conhecimentos dos vários oradores de destaque na sua área, que participem ativamente no Congresso e que, simultaneamente, estreitem laços profissionais, estabeleçam sinergias e desfrutem de um momento de convívio numa cidade encantadora, cosmopolita, com um riquíssimo passado histórico e um futuro que se prevê vir a estar na vanguarda do conhecimento técnico-científico. Que este congresso perdure nas vossas memórias como um momento ímpar de aquisição de conhecimentos, de motivação e de planeamento de projetos para o futuro.

 

Marisa Santos, MD, Ph.D.
Assistente Graduada Sénior de Cirurgia Geral da ULS de Santo António
Responsável pela Unidade de Cirurgia Colorretal da ULS de Santo António
Professora Catedrática do Mestrado Integrado em Medicina do ICBAS, da Universidade do Porto
Investigadora do Oncology Research Group da UMIB e do Laboratory for Integrative and Translational Research in Population Health (ITR)

 

Sílvia Malheiro

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