“A idade por si só não deve ser suficiente para afastar um diagnóstico de cancro da mama”
No âmbito do “Outubro Rosa”, em entrevista ao SaúdeOnline, o oncologista Nuno Tavares, da Unidade Local de Saúde de São João e da Atrys Portugal, alerta para o subdiagnóstico do cancro da mama em mulheres jovens e sublinha a importância da literacia em saúde e do autoconhecimento corporal para a deteção precoce.

Quase metade das mulheres jovens (18-35 anos) com cancro da mama é diagnosticada em estádios avançados. Quais os principais fatores que contribuem para que estas mulheres façam parte de uma “geração esquecida” e sejam diagnosticadas mais tarde?
O diagnóstico tardio de cancro da mama em mulheres jovens pode ocorrer por vários motivos. O mais importante de todos é, na minha opinião, a baixa suspeição clínica nesta faixa etária, onde tanto as doentes como os profissionais podem considerar outros diagnósticos benignos para as principais queixas – a presença de um nódulo de novo na mama, alterações na pele como vermelhidão ou pele em casca de laranja, a presença de deformidades mamárias ou retração mamilar, secreções mamilares entre outras queixas. Em segundo lugar a maior densidade mamária nas mulheres mais jovens, o que pode dificultar a interpretação e alguns exames de imagem. Por último, a inexistência de um rastreio para esta faixa etária. Recordo que em Portugal o rastreio organizado de cancro da mama pela Direção-Geral de Saúde viu o seu extremo etário inferior reduzido recentemente para os 45 anos de idade, não englobando assim a faixa etária das mulheres mais jovens onde o cancro da mama é habitualmente menos frequente.
Existem diferenças na agressividade ou no tipo de tumor em mulheres jovens comparadas com mulheres mais velhas?
Estão descritas algumas diferenças relevantes na biologia da doença quando comparamos mulheres jovens com mulheres mais velhas, sendo habitual nas primeiras encontramos tumores de mais alto grau, com menor expressão de recetores hormonais e mais vezes com sobre-expressão de HER2. Esta biologia pode levar a que os tumores cresçam mais rapidamente e, portanto, sejam diagnosticados já após o aparecimento de sintomas por oposição ao diagnóstico através dos programas de rastreio que, por definição, permite o diagnóstico em mulheres assintomáticas.
Pode explicar o conceito de “breast awareness” e qual o seu papel na deteção precoce nesta faixa etária?
É absolutamente fundamental cada mulher ter um bom autoconhecimento corporal, nomeadamente do aspeto e textura habituais das mamas, podendo assim detetar alguma das alterações suspeitas referidas previamente. A mesma consciencialização para o problema permitirá que, após identificadas estas alterações, haja uma procura célere de aconselhamento médico, evitando-se demoras desnecessárias.
Que desafios enfrentam os médicos no tratamento de casos avançados em mulheres jovens?
Há questões relacionadas com o tratamento, com efeitos laterais agudos e a longo prazo e com a qualidade de vida das doentes. Relativamente ao tratamento, os diagnósticos mais frequentes de subtipos mais agressivos podem exigir terapêuticas mais intensivas. Felizmente, temos assistido nos últimos anos a evoluções importantes do tratamento sistémico do cancro da mama, com novas armas terapêuticas já disponíveis em Portugal e também com novos e relevantes ensaios clínicos que têm permitido incrementar as soluções disponíveis e melhorar o prognóstico. Na mulher jovem um dos efeitos laterais mais temidos é a infertilidade e é importante garantir que todas as doentes que ainda não tenham completado o seu projeto reprodutivo possam ter acesso a protocolos de preservação de fertilidade e que possa ir decorrendo uma discussão contínua ao longo do seu período de tratamento e vigilância sobre o melhor momento para engravidar. Por outro lado, outros efeitos a longo prazo como dores articulares, calores, fadiga, entre outros, podem persistir no tempo e relembram a importância de terapêuticas de suporte medicamentosas, mas também de hábitos e estilos de vida saudáveis, nomeadamente a prática desportiva regular, que muito podem contribuir para a mitigação destes sintomas. A longo prazo, o impacto das terapêuticas assim como o receio do reaparecimento do cancro ou da morte colidem frequentemente com planos familiares e profissionais e podem provocar uma enorme carga emocional, ansiedade e depressão. Mais uma vez, a dedicação de equipas multidisciplinares torna-se absolutamente fundamental para poder fornecer o suporte necessário.
Que medidas estruturais ou políticas de saúde poderiam ajudar a reduzir este subdiagnóstico?
Apesar de não estar no horizonte um rastreio organizado nesta população muito jovem (excluindo-se situações de risco particularmente aumentado de cancro, como sendo mulheres portadoras de síndromes hereditários de cancro), a ajuda essencial faz-se no campo da educação para a saúde e na pedagogia. O cancro deve ser discutido sem receios e sem tabus, nas escolas, nos centros de saúde, nas associações e coletividades. As novas tecnologias e os meios digitais podem ter um papel importante na difusão de mensagens de consciencialização e educação para a saúde. Programas de sensibilização para o cancro da mama no âmbito do “Outubro Rosa” (mas não só) são relevantes e devem ser estimuladas e apoiadas, principalmente quando dinamizadas por grupos e associações de doentes que desempenham neste campo um papel crucial.
Que mensagem gostaria de deixar às mulheres jovens e aos profissionais de saúde sobre prevenção e diagnóstico precoce?
A idade por si só não deve ser suficiente para afastar um diagnóstico de cancro nesta faixa etária. Sem tabus e sem alarmismo, a informação e o conhecimento são as principais armas ao alcance de todos e devem ser usadas para promover hábitos e estilos de vida saudáveis e possibilitar um diagnóstico o mais precoce possível e um tratamento o mais eficaz possível.
Sílvia Malheiro
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