“Todos os anos, cerca de 12 mil portugueses morrem devido ao tabaco”
O consumo de tabaco continua a ser um “problema significativo de saúde pública”, de acordo com Inês Luz, médica pneumologista do SAMS. No Dia do Ex-Fumador, a especialista alerta para os novos produtos de tabaco, que podem ser mais atrativos, e para a importância das consultas de cessação tabágica.

O consumo de tabaco continua a ser um grave problema em Portugal?
O consumo de tabaco, em Portugal, continua a ser um problema significativo de saúde pública. Até 2014, mais de 20 % dos adultos fumavam, em 2019 essa percentagem baixou para 16,8 %, sinal de que o consumo de cigarro tradicional tem diminuído. Mas o problema não desapareceu, ganhou novas formas. O tabaco aquecido já conta com mais de 100 mil utilizadores e quase 5 % dos jovens que experimentaram fumar admitem tê-lo usado. Já os cigarros eletrónicos, cada vez mais populares, foram referidos por mais de 22 % dos adolescentes que experimentaram fumar ou vaporizar. O impacto na saúde é enorme e todos os anos cerca de 12 mil portugueses morrem devido ao tabaco, o que representa mais de uma em cada dez mortes no país. Cancro do pulmão, doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral (AVC) e doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) estão entre as principais consequências.
Qual o impacto dos novos produtos de tabaco?
As novas formas de tabaco, como cigarros eletrónicos, tabaco aquecido e shisha, estão a ganhar popularidade, especialmente entre os jovens. Embora algumas sejam percebidas como “menos prejudiciais” ou “mais modernas”, estudos mostram vários impactos negativos. Por um lado, maior potencial de dependência, uma vez que muitos dispositivos liberam nicotina de forma mais eficiente, tornando-os muito viciantes, às vezes mais do que os cigarros tradicionais. Também o facto de terem um cheiro menos intenso e menor visibilidade de fumo, conduz a que os utilizadores tendam a fumar com mais frequência, sem perceberem a quantidade de nicotina que ingerem. Por outro lado, estes dispositivos são mais aceites socialmente, o que reduz a perceção de risco e facilita a experimentação, sobretudo em jovens. Verifica-se ainda que o marketing e o design colorido ou tecnológico transformam o ato de fumar em algo “na moda”, atraindo quem nunca teria começado com cigarros tradicionais.
“Ao oferecer acompanhamento próximo, personalizado e gratuito, as consultas de cessação tabágica tornam o caminho para deixar de fumar menos solitário e muito mais eficaz”
Como avalia o acesso a consulta de cessação tabágica no Serviço Nacional de Saúde?
Deixar de fumar é um passo importante para a saúde e, em Portugal, existe apoio gratuito disponível, através das consultas de cessação tabágica do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Estas consultas estão presentes em centros de saúde e hospitais por todo o país e normalmente o encaminhamento é feito pelo médico de família ou pelos médicos hospitalares que acompanham o utente. O acompanhamento estruturado aumenta significativamente as hipóteses de sucesso: a taxa de abstinência a um ano, com apoio profissional, é de 20 a 30 %, muito superior à tentativa de parar sozinho. O número de consultas no SNS tem vindo a crescer e, em 2022, realizaram-se mais de 32 mil consultas, confirmando que estas unidades continuam a ser um recurso essencial para quem quer abandonar o tabaco. Ao oferecer acompanhamento próximo, personalizado e gratuito, as consultas de cessação tabágica tornam o caminho para deixar de fumar menos solitário e muito mais eficaz.
“Existem algumas estratégias comprovadas que ajudam muito a reduzir o número de novos fumadores, como por exemplo o aumento do preço do tabaco, que dificulta o acesso, sobretudo para os mais jovens”
Todas as pessoas são diferentes, mas existem dicas universais que podem ajudar qualquer fumador a deixar de fumar?
Não existe um método único que funcione para todos, porque cada fumador é diferente. No entanto, quando há motivação real, há passos que aumentam significativamente as hipóteses de sucesso. Um dos mais importantes é procurar apoio gratuito, como as consultas de cessação tabágica do SNS, com médicos, enfermeiros e psicólogos que podem ajudar. Também existe medicação que facilita o processo de parar de fumar, ajudando a aliviar os sintomas de abstinência, e que pode ser usada sempre que necessário. É essencial, igualmente, fazer algumas mudanças de hábitos para evitar gatilhos e adotar um estilo de vida mais saudável. Por fim, definir uma data concreta para deixar de fumar e refletir sobre os motivos pessoais que motivam essa decisão são determinantes. Contar com o apoio de amigos, familiares ou grupos de entreajuda pode fazer toda a diferença, reforçando a motivação ao longo do processo. Com estes passos e o acompanhamento certo, deixar de fumar torna-se mais fácil e eficaz, mesmo sem existir uma fórmula única para todos.
Em termos de prevenção, o que pode ser feito, já que o melhor é sempre nunca chegar a experimentar um cigarro?
A melhor forma de combater o tabaco é impedir que alguém comece. Existem algumas estratégias comprovadas que ajudam muito a reduzir o número de novos fumadores, como por exemplo o aumento do preço do tabaco, que dificulta o acesso, sobretudo para os mais jovens. A criação de espaços livres de fumos, como escolas, transportes públicos, também contribui ao tornar o tabaco menos presente no dia a dia. A educação e a informação assumem um papel fundamental, pois as campanhas que mostram os riscos reais do tabagismo, com testemunhos de quem vive com doenças relacionadas contribuem para mostrar os perigos. Em paralelo, a proibição da publicidade e das promoções também reduz o apelo ao consumo. Por fim, crescer num ambiente familiar e social livre de tabaco faz toda a diferença, uma vez que reduz significativamente a probabilidade de um jovem começar a fumar.
Maria João Garcia
Notícia relacionada
Tabagismo em Portugal: A urgência de uma abordagem médica mais ativa