ULS, SNS24: menos “achismos”, mais fundamentação
Coordenador da USF Baixa – ULS S. José

ULS, SNS24: menos “achismos”, mais fundamentação

Os CSP e o SNS são demasiado importantes para os cidadãos e para a democracia portuguesa para serem vítimas de discursos superficiais e reformas não refletidas. A criação das ULS foi uma “fusão a frio” entre duas culturas diferentes: não superiores nem inferiores, mas distintas, adaptadas à realidade, à legislação e à função respetiva. O risco nestas “fusões” é que prevaleça a cultura de quem tem mais poder.

Os CSP têm uma estrutura mais horizontal, com decisões tomadas em equipa. O coordenador da USF é eleito pela equipa; o Director de Serviço é nomeado pelo Director Hospitalar. O primeiro responde à equipa, o segundo a quem o nomeou. Em muitos casos, com a passagem de ACES para as ULS, aumentou a dimensão da instituição e também a distância entre superiores hierárquicos e equipas.

O que deveríamos ter feito era definir critérios para avaliar os efeitos desta reforma e encontrar estratégias de correção. É o que se faz em todas as USF nos processos de melhoria da qualidade.        Não foi feito. Desde o início temos “achismos”: assume-se que a organização em ULS é melhor do que ACES/ARS, mas não existe evidência disso (apesar de a ULS de Matosinhos existir desde 1999); assume-se que melhorou a articulação entre CSP e CSS, mas a realidade parece outra. Os processos não se tornaram mais fluidos; parece existir ainda menos mobilidade dentro das ULS.

Com as ULS passámos dos CTFP para CIT, com perda de direitos laborais, sem termos, em troca, maior facilidade em celebrar novos contratos ou integrar profissionais. A capacidade de retenção do SNS nunca foi tão baixa. A nova geração de internos tem outras prioridades: dá mais importância à família e ao tempo livre (e bem), valoriza a flexibilidade e as condições básicas (materiais, infraestruturas, informática). O ordenado e a estabilidade nem sempre são a prioridade. Quando acabei o internato, o ACES estendeu-me um tapete vermelho para me convencer a ficar. Os relatos dos recém-especialistas de hoje são bem diferentes.

Outro exemplo de reforma baseada em “achismos” é o LASV (“Ligue Antes, Salve Vidas”, que alguns chamam “salve-se quem puder”). Ouvimos muitas opiniões, mas, novamente, não definimos — nem a priori nem a posteriori — critérios para avaliar se a reforma “está a correr bem”: menos utentes no SU? mais nos CSP? mais chamadas para o SNS24?

Sabemos que há utentes que, por causa dessa “barreira”, já não recorrem aos CSP por questões urgentes ou optam por não ir (quais são os riscos? já há relatos preocupantes, sobretudo com utentes com baixa literacia em saúde) ou dirigem-se aos serviços privados. Se estava a conseguir dar resposta às consultas do dia (e os indicadores do IDE o confirmam), porque devo mudar a minha forma de trabalhar e criar mais entropia? Onde ficou a autonomia organizativa das USF com esta decisão?

Claro, este artigo está repleto de “achismos”: é um artigo de opinião. Se tivéssemos definido desde o início os parâmetros para avaliar se as reformas estão a “correr bem”, talvez mudasse de ideia e admitisse que as ULS e o LASV são a panaceia. Mas, olhando à minha volta, tenho a sensação de que estamos a brincar, com superficialidade, com algo muito sério: o futuro do SNS e dos CSP.

SO/LUSA

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