Trombose. Um problema de saúde “potencialmente prevenível” na maioria dos casos

A trombose pode ser prevenida em várias situações clínicas, desde que seja detetado risco e se iniciem medidas profiláticas. O cardiologista João Morais e a imuno-hemoterapeuta Luciana Gonçalves alertam para a necessidade de se dar mais atenção a este problema que envolve várias especialidades, como a Medicina Interna, a Oncologia e a Cardiologia, entre outras. Ambos são os organizadores do 29th International Congress on Thrombosis (ICT 2025).

Trombose. Um problema de saúde “potencialmente prevenível” na maioria dos casos

“Numa percentagem elevada, os episódios trombóticos podem ser potencialmente evitáveis”, afirma João Morais, presidente da European and Mediterranean League Against Thrombotic Diseases e do ICT 2025.

O cardiologista realça que as doenças trombóticas envolvem múltiplos órgãos e sistemas, daí o evento ser multidisciplinar. Destaca, ainda, a importância da identificação precoce do risco trombótico e a implementação de medidas profiláticas. “A trombose, particularmente em idades jovens, não evitável, é súbita e está, em regra, associada a alterações genéticas. Mas, na maioria das patologias, regista-se uma taxa de sucesso elevada quando se implementam medidas eficazes na prevenção do risco trombótico.”

Luciana Gonçalves, copresidente do Congresso, acrescenta: “Nas últimas duas décadas registaram-se avanços importantes na divulgação deste tipo de patologia; no entanto, ainda há um longo caminho a percorrer para que se aposte mais na deteção e na prevenção do risco trombótico.”

A imuno-hemoterapeuta realça que a trombose é pluridisciplinar, envolvendo diferentes especialidades, médicas  e não médicas, e investigadores. “É preciso conhecer melhor os mecanismos trombóticos, para que, na prática clínica, se consiga diminuir o risco. “As consequências dos eventos trombóticos podem ser muito graves, levando até à morte; em alguns doentes, as sequelas podem ser muito incapacitantes, com impacto na vida pessoal e profissional do doente, havendo mesmo casos em que as pessoas têm de deixar de trabalhar. A prevenção é benéfica para a saúde da pessoa e é menos onerosa para o Estado, dada a redução dos custos associados ao tratamento e à perda da capacidade laboral.”

A profilaxia em doentes de risco é assim essencial, mas, como refere Luciana Gonçalves, “ainda persiste algum receio devido ao risco hemorrágico associado às terapêuticas antitrombóticas”. Além disso, também se verifica uma subavaliação do risco em algumas pessoas, como por exemplo em jovens, sendo considerados não candidatas a medidas preventivas”.

Continuando: “Já em 2009, no Congresso Internacional de Trombose e Hemostase, foi dito que um evento de tromboembolismo venoso, potencialmente prevenível, que ocorresse num doente hospitalizado sem que tivesse sido efetuada a profilaxia adequada, era considerado um “never event”. Nos EUA, as seguradoras não eram, inclusive, obrigadas a pagar o tratamento.”

Por outras palavras, “esse acidente trombótico é uma falência do sistema”, sublinha João Morais. O cardiologista alerta para uma atitude comum dos clínicos que pode levar a esse “never event”: “Pensa-se que não vai acontecer nada, porque a cirurgia é rápida e não exige mais do que dois a três dias de internamento. No entanto, essa suposição nem sempre corresponde à realidade.”

Oncologia e Pediatria. Novos fármacos e mais trombose na adolescência

Como as doenças trombóticas podem envolver o território arterial e/ou venoso, e  afetam múltiplos órgãos e sistemas, o Congresso destina-se às mais variadas especialidades. Destaque particular para a Oncologia, já que se sabe há muito tempo que o cancro está associado a um aumento significativo do risco trombótico, sendo mesmo a segunda principal cauda de morte nestes pacientes. “Haverá cada vez mais doentes oncológicos; as novas terapêuticas são, por um lado, mais eficazes no tratamento de diversos tipos de cancro, mas, por outro, muitas delas acarretam um risco de trombose mais elevado”, especifica Luciana Gonçalves.

“Na Obstetrícia, ocorreu, nas últimas décadas, uma alteração das causas de morbilidade e mortalidade na grávida e puérpera, em países desenvolvidos. A principal causa de morte e de morbilidade nas parturientes, hoje, é a trombose.”

A médica alerta, ainda, para a área da Pediatria, em que considera existirem dois grupos em que o risco é significativo: os bebés com patologias graves, por exemplo com cardiomiopatias e que são sujeitos a cirurgias complexas, ou outras patologias que obrigam a internamento em cuidados intensivos, assim como os adolescentes. “No primeiro caso, já há uma consciência importante do risco destes bebés e tenta-se sempre tomar as medidas necessárias; o mesmo não se vê na adolescência. Os adolescentes apresentam, atualmente, mais fatores de risco para a trombose, como a obesidade, largamente associada a  hábitos alimentares e ao sedentarismo.” Para a médica é preciso ter atenção à prescrição de anticoncecionais hormonais orais em raparigas com esses mesmos fatores de risco. “A trombose é multifatorial e é preciso ter atenção a várias questões como os estilos de vida.”

Ainda no âmbito do tema, frisa a importância de existirem protocolos de profilaxia de trombose, sobretudo no internamento hospitalar, devido aos fatores de risco que os doentes apresentam, entre os quais a imobilização, mas, salienta, “a instituição destes protocolos deve  ser auditada regularmente para se perceber se os objetivos estão a ser atingidos ou se há falhas”. “É importante salientar que a partir do momento que que um doente se deita numa cama de hospital seja com que patologia for, o risco trombótico aumenta a cada dia que passa”, acrescenta.

O Congresso conta também  com a participação de investigadores básicos e de translação, que procuram conhecer os mecanismos associados às patologias trombóticas para se melhorar a deteção do risco, a prevenção e o tratamento.  “Vamos contar também com a apresentação de trabalhos de investigação clínica, de ciência básica e translacional e apelo, assim, à presença dos colegas de diversas especialidades, em particular os mais novos”, reforça João Morais.

Maria João Garcia

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