“Temos oportunidade de desenvolver um programa de referência de Saúde Pública Oral”
No âmbito do Dia Mundial da Saúde Oral, que se assinala a 20 de março, José Frias Bulhosa, vice-presidente da Associação Portuguesa dos Médicos Dentistas dos Serviços Públicos, fala, entre outros assuntos, sobre o novo Programa Saúde Oral no SNS. Para si, esta é uma oportunidade de criar um programa de referência internacional. Contudo, é necessário “corrigir as limitações há muito identificadas”.
Como é que estão os projetos-piloto para a Saúde Oral nos Centros de Saúde que estavam a decorrer antes da pandemia?
Em verdadeiro rigor, os projetos-piloto aconteceram no passado, no Alentejo e Lisboa Vale do Tejo, entre o período de julho de 2016 (com a criação de gabinetes de saúde oral através do Despacho n.º 8591-B/2016, de 1/julho), e terminaram no 2.º trimestre de 2017. A partir daí houve a decisão política de alargar a todas as restantes ARS a possibilidade de acesso a consultas de medicina dentária aos cidadãos utentes do SNS.
Isso foi progressivamente aumentando o número de centros de saúde com gabinetes e nessa fase as autarquias tiveram um papel determinante, contudo o ritmo inicialmente implementado, com a mudança da equipa ministerial em outubro de 2018 e com o aparecimento da pandemia veio a estagnar em algumas ARS a abertura de novos gabinetes.
Qual a sua opinião acerca do novo Programa Saúde Oral no SNS – 2.0?
Claramente que será uma mais-valia para a população. Diria até que podemos ter a oportunidade ímpar de desenvolver um programa de referência internacional nos domínios de uma moderna Saúde Pública Oral.
Mas, para isso, esta nova versão do Programa de Saúde Oral terá que assumir a premência de corrigir as limitações há muito identificadas, quer pelos utilizadores dos gabinetes e acima de tudo, pelos médicos dentistas que neles exercem, quer no que respeita ao acesso e trajeto do utente desde a 1.ª referenciação pela Medicina Geral e Familiar até, quando necessário, à referenciação hospitalar, igualmente, intervir sobre os sistemas de registos de modo a passarem a estar mais adequados à carteira de serviços que deve ser oferecida pela Medicina Dentária nos CSP, de acordo com um conteúdo funcional do médico dentista perfeitamente adequado às suas competências nos domínios da sua formação e especialização. Paralelamente, terá que se proceder a uma reforma do cheque dentista, vital para a complementaridade do acesso a cuidados básicos de saúde oral.
“Claramente que o Programa Saúde Oral no SNS – 2.0 será uma mais-valia para a população”
No geral, como é que define o estado da saúde oral da população portuguesa?
Os dados da OCDE, OMS e FDI tem estimado alguns progressos, não em todos mas em alguns indicadores de saúde oral, mas continuamos a ter elevadas prevalências na doença cárie, periodontal, edentulismo não reabilitado, cancro, distúrbios oro-crâneo-faciais, principalmente a partir do final da juventude, sendo que a exposição a algumas determinantes comerciais que negativamente influenciam a saúde oral e a saúde em geral, deveriam ser alvo de intervenção política em termos legislativos e até fiscais.
Nos últimos anos, a OMS e a FDI têm emanado resoluções no sentido da saúde oral ser integrada na Cobertura Universal de Saúde e serem criadas estratégias de prevenção das doenças orais que sejam mais efetivas e sustentáveis, sendo para isso, essencial a integração dos diferentes profissionais de saúde oral nas fases de planeamento e gestão dos programas de prevenção das doenças orais.
Considera que a criação da carreira dos médicos dentistas é já algo muito premente?
Assumindo uma posição muito consciente sobre esta matéria que acompanho desde os tempos de faculdade, nada me garante que seja assim tão premente, pois já por inúmeras vezes, cheguei a integrar grupos no passado; o último dos quais foi ao abrigo do Despacho n.º 4326/2017 e que teve 180 dias para propor um documento que visava o enquadramento da atividade do médico dentista no âmbito do SNS e parece que se “perdeu” entre os Ministérios da Saúde e das Finanças.
Contudo, estou esperançoso que esta equipa da Direção Executiva seja a única com efetiva vontade de resolver este problema, que subsiste desde a fundação do SNS e que possa, em conjunto com a Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), a Associação Portuguesa dos Médicos Dentistas dos Serviços Públicos (APOMED-SP) e as próprias ARS demonstrar a importância disso para a própria organização dos serviços de Saúde Pública Oral e para o Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral (PNPSO).
A criação da carreira seria também uma mais-valia para a população, no que respeita aos serviços públicos?
Naturalmente que sim, veja-se o esforço sobre as equipas e o desperdício que gera a frequente substituição de médicos dentistas a contrato, desde logo, é necessário proceder a novas referenciações, há atraso na chamada à consulta e nos casos já em acompanhamento há logo necessidade de repetir registos de diagnóstico e nova proposta de plano de tratamento.
Texto: Sílvia Malheiro
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