
Professor Auxiliar, Unidade de Medicina Geral e Familiar, NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas - Universidade Nova da Lisboa
Saúde Digital em Cuidados de Saúde Primários
Não é todos os dias que vemos duas médicas de família portuguesas lançarem um livro subscrito pela WONCA. Para quem esteve no mês passado na WONCA Lisboa, as Professoras Ana Luísa Neves e Liliana Laranjo apresentaram Digital Health for Primary Care. Para quem não as conhece, são duas brilhantes médicas de família formadas em Portugal e que agora lideram equipas de investigação em saúde digital: a Ana Luísa Neves no Imperial College London e a Liliana Laranjo na Universidade de Sydney.
Como médicos de família, vemos diariamente como as tecnologias digitais podem melhorar a experiência do doente e do médico de família: processos ou receitas ilegíveis são coisa do passado; conseguimos consultar registos hospitalares; sensores de glicemia ajudam na educação de pessoas com diabetes; ferramentas de IA compõem em segundos cartas de referenciação a partir do que copiamos do SOAP. Mas também vemos como podem complicar: doentes que não sabem quantas embalagens podem levantar, pessoas sem dispositivos ou internet, sistemas que exigem nove cliques para uma tarefa simples. É urgente sintetizar conhecimento e experiências para que as ferramentas sejam úteis, fáceis de usar e com o mínimo de consequências indesejáveis.
É precisamente essa síntese que o livro Digital Health for Primary Care oferece. Mais do que descrever tecnologias, ajuda-nos a pensar como estas podem servir os cuidados de saúde primários e os seus 4C: contacto inicial, completo, coordenado e continuado. Explora como as ferramentas digitais podem reforçar ou ameaçar cada um destes pilares — desde a teleconsulta que facilita o acesso mas pode fragilizar a continuidade, até à interoperabilidade que melhora a coordenação mas levanta desafios de privacidade.
A grande mais-valia é a perspetiva centrada nos cuidados primários, ilustrados com vários estudos de caso que vêm da medicina geral e familiar de vários pontos do globo. Destacam-se capítulos sobre como as ferramentas digitais podem apoiar o método clínico centrado na pessoa, como mitigar problemas de equidade e como garantir segurança para o doente. Ao longo do livro, discute-se como estas tecnologias influenciam os princípios centrais da MGF — uma preocupação que assegura que esta obra não ficará facilmente datada. Se queremos participar na transformação digital, temos de compreender as ferramentas e os seus impactos. Este livro dá-nos a linguagem, explica conceitos e ilustra com exemplos da prática da medicina geral e familiar. Qualquer que seja o nosso papel — clínicos, inovadores, decisores ou formadores — há sempre algo útil a retirar desta leitura.





