“Quando escolhi Oncologia, achei que seria a melhor especialidade do mundo — e continuo a acreditar nisso”
Pedro Simões é oncologista no Hospital Beatriz Ângelo, integra a Direção da SPO e o Núcleo de Internos e Jovens Especialistas (NIJE), e é um dos responsáveis pela organização das sessões conjuntas entre a ASCO e a SPO que decorrerão neste Congresso. Especialista há cerca de quatro anos, o jovem médico fala sobre o percurso que o trouxe à Oncologia, os desafios da nova geração e a importância da formação, da colaboração internacional e da humanização da prática clínica.

É especialista em Oncologia há cerca de quatro anos. O que o levou a escolher esta especialidade?
A Oncologia sempre foi uma especialidade que me intrigou ao longo do curso. Embora não tenhamos uma formação muito dirigida e específica em Oncologia, já era uma área que me entusiasmava pela necessidade de atualização científica constante e pela evolução contínua da ciência. Além disso, sempre me pareceu uma prática muito rica, próxima dos doentes e das famílias, e com uma forte componente de investigação no dia a dia. Foi um misto desses fatores que me levou a escolher a especialidade.
Além da atividade assistencial, integra também a Direção da SPO e o NIJE. O que o motivou a envolver-se nestas estruturas?
Em primeiro lugar, fui interno sob a alçada do professor Passos Coelho, que era o diretor de Oncologia no Hospital Beatriz Ângelo, e que sempre me despertou imensa admiração e respeito pelo trabalho e pelo papel que representa no panorama da Oncologia nacional. Quando fui convidado, disse um “sim” bastante fácil. Fazer parte da Direção da SPO e do NIJE é, acima de tudo, um desafio. É um gosto participar numa entidade tão relevante a nível nacional, na qual sinto que posso fazer a diferença e trabalhar na raiz de áreas importantes no panorama da Oncologia. No NIJE, pela proximidade à formação e à educação – áreas que sempre me interessaram -, a ligação aos internos também me diz muito.
Qual tem sido o papel do NIJE dentro da SPO?
O NIJE é um núcleo da SPO dirigido ao desenvolvimento de atividades formativas, de índole teórica ou prática, para internos ainda em formação específica ou jovens especialistas recém-formados. Representamos uma comunidade mais jovem dentro da Oncologia, com vontade de melhorar a nossa atividade.
Que iniciativas têm desenvolvido para apoiar os internos e jovens especialistas em Oncologia?
O nosso grupo, cuja presidente atual é a Dr.ª Maria Teresa Marques Neves, não partiu do zero, beneficiou do trabalho desenvolvido em vários mandatos e pelos representantes anteriores do NIJE, nomeadamente pela Dr.ª Helena Gouveia, que foi a presidente anterior.
No fundo, procuramos manter várias atividades já existentes, como o Curso de Formação em Oncologia da Curia, destinado aos internos dos últimos anos, para ajudar a preparar o exame final da especialidade, e o Curso de Estatística, em colaboração com o professor Firmino Machado. Também colaboramos com o Grupo de Oncologia Geriátrica da SPO no desenvolvimento do CIPOG — Curso de Introdução aos Princípios da Oncologia Geriátrica.
Mas, no nosso mandato, criámos pelo menos duas novas iniciativas: o ENIO — Encontro Nacional de Internos de Oncologia — realizado pela primeira vez em maio deste ano —, que funciona como fórum de partilha e de colaboração entre os vários internos a nível nacional, com atividades teóricas e práticas que englobavam aspetos relacionados com a formação, a visão do programa do internato, como estudar Oncologia, estágios no estrangeiro, entre outros temas, bem como quizzes e escape games clínicos.
E o Fórum do Jovem Especialista, cuja primeira edição foi em setembro do ano passado e a segunda também em setembro deste ano, em Leiria, dirigido a jovens especialistas — que, segundo a definição da ESMO, são médicos até aos 40 anos, embora aceitemos pessoas com “mente jovem”, mais do que pela idade —, abordando temas transversais como negociação, contratos médicos, liderança, coordenação clínica e inteligência artificial.
Também criámos e dinamizámos algumas bolsas para internos, por exemplo, em investigação no cancro do testículo e em casos clínicos de cancro da mama. Estamos ainda a desenvolver, com a Permanyer, o OncoMecum, um compêndio de farmacologia clínica já existente em Espanha.
Diria que estamos com uma atividade diversificada.
Na sua opinião, quais são hoje os principais desafios que os jovens oncologistas enfrentam em Portugal — quer na formação, quer na integração em equipas mais experientes?
A Oncologia é cada vez mais complexa, e é difícil para um interno fazer uma formação diversificada que englobe todas as áreas obrigatórias do internato, mesmo num período de cinco anos, que, apesar de longo, parece sempre limitado para tudo o que existe na Oncologia.
O internato é intenso, não só emocionalmente, mas também em termos de carga horária. Nem sempre há tempos protegidos para formação e investigação, embora o atual Colégio de Oncologia tenha revisto o programa de internato para tentar reservar algumas horas semanais para projetos de investigação. Mas, mesmo assim, muito do trabalho adicional para desenvolvimento do currículo depende do tempo livre dos internos. É uma especialidade com alto risco de burnout — ainda um tabu, mas real. Existe. O internato é um período muito intenso.
A Oncologia é uma área particularmente exigente. O que mantém viva a motivação de um jovem médico num contexto tão intenso?
Pela minha experiência, a motivação passa pela vocação e pela capacidade de aprender a melhorar a vida dos nossos doentes. É essencial criar uma rede de suporte que nos acompanhe e defenda ao longo do internato, equilibrando vida profissional e pessoal — na partilha das nossas vivências com os amigos, na manutenção dos hobbies. E é também fundamental trabalhar num centro com boa energia, que valorize as nossas opiniões e iniciativas. O hospital torna-se quase uma segunda família, e um ambiente de trabalho saudável é essencial.
Sente que há cada vez mais espaço para os jovens participarem nas decisões e estratégias da SPO?
Sempre senti que sim, não só na SPO, mas também no próprio centro. Sempre houve uma vontade ativa de estimular a formação e o desenvolvimento dos internos. Esta tendência tem crescido, tanto na SPO como em iniciativas de outras estruturas, como a Sociedade Portuguesa de Senologia, oferecendo programas de investigação e bolsas.
Está diretamente envolvido na organização das sessões conjuntas entre a ASCO e a SPO. Como surgiu esta colaboração e o que representa para si concretizá-la?
Estou envolvido na organização das sessões conjuntas da ASCO com a SPO, juntamente com o Dr. Renato Cunha. A iniciativa começou na Direção anterior da SPO, sob a presidência do Professor Miguel Abreu. Tem sido uma experiência muito positiva e enriquecedora, permitindo-nos observar uma realidade diferente da nacional e extrapolar aquilo que existe noutras realidades, de forma a conseguirmos ter ideias para melhorar a nossa própria realidade a nível nacional. Penso que tem sido muito positivo.
Que temas vão estar em destaque nessas sessões e que importância têm para a prática clínica nacional?
No ano passado abordámos a educação pré-graduada em Oncologia e o papel das redes sociais e a sua importância para a especialidade. Ou seja, são temas modernos e de interesse para a prática clínica diária.
Este ano, a primeira mesa vai abordar o uso da inteligência artificial, que é uma ferramenta com cada vez mais aplicabilidade no nosso dia a dia — em tudo, e não só na medicina. Queremos explorar o uso da inteligência artificial na prática clínica diária de um oncologista médico, mas também na produção de escrita científica e na investigação translacional.
A segunda mesa foca-se na liderança em Oncologia, discutindo o que define um bom líder, como liderar departamentos e formar futuros líderes. São temas de grande aplicabilidade nos dias de hoje.
De que forma acredita que esta ligação com a ASCO pode beneficiar os jovens oncologistas portugueses?
Não se limita aos jovens, mas para eles é uma oportunidade de formação adicional, partilha de experiências e networking. É sempre importante podermos criar redes para desenvolver projetos e conhecer outras realidades. A prática em Oncologia deve ser global, e a colaboração com outras instituições e o conhecimento de diferentes contextos é, sem dúvida, benéfica.
Enquanto jovem oncologista, que balanço faz da Oncologia em Portugal neste momento?
Vivemos num momento desafiante para o SNS. Ser oncologista implica lidar com limitações e conseguir trabalhar dessa forma.
O facto de termos cada vez mais fármacos e mais hipóteses de tratamento também coloca pressões num serviço de saúde que já por si tem recursos limitados — não só financeiros, mas também humanos —, o que por vezes dificulta a realização de projetos inovadores e diferenciadores. Muitas vezes temos de, salvo a expressão, fazer “omeletes sem ovos”. Há muita burocracia, e na nossa especialidade isso é também um fator marcante.
Mas, por outro lado, existe uma realidade nacional com pessoas dinâmicas, dispostas a inovar e a melhorar a prática.
Que aspetos considera que mais evoluíram nos últimos anos — e onde é que ainda há caminho a percorrer?
A prática da Oncologia mudou muito desde que entrei no internato, em 2017 — tanto em terapêutica como em diagnóstico. É totalmente diferente. É estonteante a rapidez com que surgem novas terapêuticas e com que o seu uso é disponibilizado a nível nacional, até mesmo em termos de técnicas diagnósticas. Temos claramente uma prática diferente daquela que existia quando iniciei o internato, e essa tendência tem vindo a acelerar cada vez mais.
De certa forma, essa evolução também tem dificultado a formação dos novos internos.
Mas, apesar de tudo, ainda há áreas a necessitar de melhorias. Cada vez mais, nós, oncologistas, temos de sair um pouco do hospital e trabalhar na comunidade. É necessária a nossa participação na prevenção, na promoção dos rastreios, nos estilos de vida saudáveis e na criação de programas de seguimento de sobreviventes — como no cancro da mama —, que ainda é uma área em desenvolvimento e que está a dar os primeiros passos. Há ainda um longo caminho a seguir, mas a evolução é estonteante e estou curioso e esperançoso quanto ao futuro.
Ouvindo-o falar desta evolução, lembrei-me que o mesmo não se passa com a área dos cuidados paliativos, onde há ainda grandes lacunas…
Pois não. É uma limitação relevante a nível nacional, mas que, acima de tudo, evidência grandes disparidades regionais. Existem populações desfavorecidas do ponto de vista financeiro e de literacia. Faltam recursos e profissionais interessados em trabalhar nestas áreas em vários pontos do país.
O ritmo de inovação é cada vez maior e existe ainda a questão da medicina personalizada, que veio mudar paradigmas. Como antevê o futuro da especialidade?
O futuro é em frente — e de uma forma cada vez mais personalizada. A capacidade de selecionar quem beneficia das terapêuticas, quando e como reduzir toxicidades, é o caminho. Ou seja, a personalização é o futuro. Há ainda um longo percurso, mas, sem dúvida, daqui a dez anos a prática será totalmente diferente.
Acha que a nova geração de oncologistas tem uma forma diferente de estar e de comunicar com os doentes?
Sim, diferente, mas não necessariamente pior. Aprendemos com os mais experientes. Uma medicina mais moderna e mais globalizada exige adaptar a comunicação à pessoa que temos à nossa frente. Temos de saber lidar com a informação disponível online e responder às dúvidas dos doentes, que chegam mais informados às consultas. Isso veio para ficar e torna a comunicação mais bilateral, diferente do que era há 20 anos.
Que mensagem gostaria de deixar aos colegas que estão agora a iniciar o internato de Oncologia?
Quando escolhi Oncologia, achei que seria a melhor especialidade do mundo — e continuo a acreditar nisso! É uma especialidade em desenvolvimento constante, incrível. Aos internos, digo para não desistirem, para conseguirem equilibrar a vida no hospital com a vida fora, e prosseguir, porque valerá a pena e fará diferença no futuro.
Sílvia Malheiro
Notícia relacionada
“Pretendo reforçar a SPO como uma entidade agregadora, multidisciplinar e inovadora”












