Portugal regista 22 casos de tuberculose multirresistente em 2023, o dobro de 2022
Portugal registou, em 2023, 22 casos de tuberculose multirresistente, o dobro face ano anterior, a maioria em Lisboa e Vale do Tejo, embora a proporção nesta região tenha diminuído em relação a 2022, revela um relatório da DGS.

Quinze casos (68,2%) de tuberculose ocorreram em migrantes e 31,8% em pessoas nascidas em Portugal, refere o relatório de vigilância e monitorização da tuberculose em Portugal da Direção-Geral da Saúde (DGS), divulgado, hoje, no Dia Mundial da Tuberculose.
Segundo o documento, em cinco dos casos com tuberculose multirresistente (22,7% face a 33,3% em 2022) está registada a história de tratamento prévio de tuberculose. Nenhum dos casos apresentava coinfeção por VIH. “A maioria dos casos foi notificada na região de Lisboa e Vale do Tejo, embora a proporção tenha diminuído em relação a 2022 (63,6% face a 66,7%)”, observa o documento, assinalando que a maior parte são cidadãos da Guiné-Bissau.
Já 31,8% dos casos foram notificados no Algarve, o que não se verificou em anos anteriores. A maioria (71,4%) refere-se a migrantes, incluindo da Ucrânia, Roménia e Moldávia, “refletindo um padrão de origem diferente do observado nos outros casos de tuberculose”. O sucesso terapêutico dos casos de tuberculose multirresistente é analisado ao fim de dois anos: Dos doentes que iniciaram tratamento em 2021, 80% completaram o tratamento, cujo tempo mediano foi de 20 meses, indica o relatório.
Em declarações à Lusa, a diretora do Programa Nacional para a Tuberculose da DGS, Isabel Carvalho, afirmou que “a tuberculose multirresistente é uma preocupação pelo pior prognóstico associado”. “É um desafio para os profissionais de saúde, exige know-how, exige concentração de casos, exige um tratamento o mais adequado e uniforme possível, porque a probabilidade de sucesso vai ser, inevitavelmente, mais baixa do que nas outras formas de tuberculose”, sublinhou.
Isabel Carvalho explicou que se estas formas de tuberculose, “já de si difíceis de tratar”, não forem tratadas com sucesso, vai condicionar o aparecimento de casos secundários na comunidade de pessoas infetadas que não foram tratadas. “O essencial perante os casos de tuberculose multirresistente, é utilizar todas as técnicas laboratoriais disponíveis (…) para detetar precocemente que existe uma multirresistência e não estar a perder tempo com um tratamento que pode ser totalmente ineficaz”, defendeu.
A diretora destacou que Portugal, em articulação com o Infarmed, tem acesso a todos os medicamentos disponíveis e consegue “tratar de uma forma muito mais curta e altamente eficaz”. Por outro lado, perante cada novo caso, cuja notificação é obrigatória, existe um alerta para a saúde pública, permitindo atuar precocemente no rastreio das pessoas que estão expostas, diagnosticar e oferecer um tratamento preventivo.
Embora em Portugal a maioria dos casos de tuberculose ocorra na população nascida em Portugal, a proporção de casos em migrantes tem tido uma tendência crescente, representando 35,8% dos 1.584 casos notificados em 2023.
Isabel Carvalho explicou que “a maioria dos imigrantes, ainda que infetados, tem muito baixa probabilidade de desenvolver tuberculose”. “O que precisamos é de tentar que estes cidadãos migrantes saibam como aceder aos cuidados de saúde em tuberculose e que, mesmo que estejam em situação irregular”, podem e devem fazê-lo e estão isentos de qualquer custo. “É uma doença que, quando tratada, beneficia não apenas ele próprio, mas toda a população”, vincou.
Casos de tuberculose diminuem em crianças até 5 anos e sobem nos adolescentes
O número de novos casos de tuberculose em crianças até aos cinco anos diminuiu em 2023, totalizando 27, enquanto no grupo etário dos 6 aos 14 anos aumentou relativamente a 2022, com 18 registos, revelam dados hoje divulgados. Segundo o relatório, a taxa de notificação, em 2023, nas crianças até 5 anos foi de 5,2 casos por 100 mil crianças, representando uma diminuição na taxa de incidência em comparação com 2022 (6,2/100 mil) e 2021 (6,1 casos).
No grupo etário dos 6 aos 14 anos, foram notificados 18 casos em 2023, correspondendo a uma taxa de incidência de 2,1 casos por 100 mil crianças, verificando-se um aumento comparativamente a 2022 (2 casos por 100 mil crianças). “Estamos numa fase relativamente estável da tuberculose até aos 6 anos. Continuamos a manter a estratégia vacinal de BCG, apenas para os grupos com maior vulnerabilidade e, portanto, com fatores de risco, que, no fundo, predizem uma maior probabilidade de vir a estar exposto à tuberculose”, disse à agência Lusa a diretora do Programa Nacional para a Tuberculose (PNT) da DGS.
Segundo Isabel Carvalho, o grupo dos 6 a 14 anos também está estável, mas começa a existir “uma proporção diferente” relacionada com a proporção da população migrante. “Houve um alerta recente do ECDC, precisamente para o aumento da tuberculose neste grupo etário, e que está relacionado com o fenómeno migratório de adolescentes que acompanham a sua família e os seus pais”, referiu.
A diretora explicou que são jovens provenientes de países com elevada incidência de tuberculose que, em função das condições de vida adversas no país de acolhimento ou durante a viagem, poderão desenvolver a doença. Os dados do relatório mostram que os distritos de Lisboa e Braga foram os que registaram a maior proporção de casos de tuberculose nas crianças até aos 5 anos (29,6% e 18,5%, respetivamente), seguidos do Porto e Aveiro, cada um com 11,1% dos casos.
Três das crianças notificadas tinham a vacina BCG, refere o relatório que é apresentado hoje, no Porto, no encontro promovido pela DGS “Tuberculose em Portugal: epidemiologia e estratégias”. Segundo o documento, a forma de apresentação mais frequente da doença foi a pulmonar (21 casos), não se tendo registado casos de formas graves da doença, nem nenhuma morte.
A maioria dos casos neste grupo etário ocorreu em crianças nascidas em Portugal (85,2%), registando-se também casos em crianças da Guiné-Bissau, Índia e Paquistão. Os dados indicam também que, dos 18 casos de tuberculose no grupo etário dos 6 aos 14 anos, sete crianças (38,8%) estavam vacinadas, percentagem semelhante à de 2022 (31,6%).
O distrito de Lisboa foi o que registou o maior número de casos (oito), seguindo-se os distritos do Porto e Faro (dois cada). A localização pulmonar foi a forma mais frequente da doença (55,6%), tendo sido notificado um caso de forma meníngea. A maioria dos casos (11) ocorreu em crianças não nascidas em Portugal, naturais de Angola (4), Guiné-Bissau (2), Brasil, Paquistão, Nepal e Serra Leoa, contrastando com o observado em 2022, em que a maioria dos casos ocorreu em crianças nascidas em Portugal (63,2%).
Isabel Carvalho defendeu ser fundamental, em termos de atuação, aumentar a literacia da população sobre a doença, “valorizar os sintomas” e não adiar a procura dos cuidados de saúde perante sinais que persistem como tosse, febre, emagrecimento. “Quanto mais precoce for o início do tratamento, melhor o sucesso, melhor a possibilidade de regressar ao trabalho de uma forma saudável e sem sequelas”, disse, realçando: “Tem que haver um comprometimento de todos na atuação se queremos realmente controlar a tuberculose em Portugal”, que registou 1.584 casos em 2023.
Segundo Isabel Carvalho, a tuberculose continua a ser das doenças infeciosas mais relevantes no panorama mundial, assim como em Portugal, “pelo seu impacto e pela sua frequência” em termos destas doenças.
LUSA
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