Hipotiroidismo. “Diagnóstico e tratamento são fáceis, desde que o médico conheça e pense na doença”

Em entrevista, o endocrinologista do Hospital das Forças Armadas e presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM) fala sobre o estado da arte no diagnóstico e tratamento do hipotiroidismo, destacando a importância do estudo europeu THESIS.

Qual é a prevalência do hipotiroidismo?

Estima-se que o hipotiroidismo florido (isto é, com expressão clínica significativa) afete entre dois a três por cento da população adulta, com predomínio no sexo feminino. O hipotiroidismo em formas mais frustres (subclínicas) afeta sobretudo mulheres pós-menopáusicas (+60 anos) e a sua prevalência está estimada em aproximadamente 15%.

Que desafios diagnósticos coloca esta patologia na prática clínica?

É fácil diagnosticar o hipotiroidismo. É fácil tratar o hipotiroidismo. É barato tratar o hipotiroidismo. Porém… para diagnosticá-lo é, antes de mais, necessário pensar nele e este talvez seja o grande desafio.

Se, enquanto médico e perante determinadas queixas, equacionar a hipótese de hipotiroidismo, posso pedir uma análise específica e facilmente chegar ao diagnóstico. Se, por outro lado, não pensar nessa hipótese, vou deixar passar por diagnosticar muitas pessoas com esta patologia. Pensa-se que haja uma taxa muito significativa de pessoas com hipotiroidismo subdiagnosticado (estudos apontam um valor estimado na ordem dos 15%).

Para diagnosticar e, consequentemente, tratar e curar, primeiro temos que pensar. E para pensar no hipotiroidismo temos que saber que ele existe.

Como colocamos os médicos a pensar em hipotiroidismo?

Por via da awarness – um trabalho que a SPEDM tem vindo a desenvolver através do seu Grupo de Estudos da Tiroide. É necessário sensibilizar a população em geral e os especialistas de Medicina Geral e Familiar (MGF) em particular, para os principais sinais da doença da tiroide e manifestações clínicas do hipotiroidismo.

Neste contexto, há diagnósticos diferenciais que importa fazer, na medida em que as queixas que o doente apresenta são difusas e comuns a outras patologias?

As hormonas da tiroide afetam um conjunto muito alargado de sistemas do organismo e por isso o hipotiroidismo pode dar queixas tão díspares quanto aumento de peso, frio, pele seca, queda de cabelo, alterações menstruais, obstipação, braquicardia, sonolência, alterações da pressão arterial, queixas do tipo depressivo, entre outras.

Quando estas queixas não são devidamente integradas ou o médico não está sensibilizado para a possibilidade de hipotiroidismo, o que acontece é que o doente acaba por andar a “saltitar” de especialidade em especialidade: se está deprimido vai ao psiquiatra, se sente braquicardia vai ao cardiologista, caso tenha obstipação vai ao gastroenterologista, se tem pele seca vai ao dermatologista, com alterações menstruais vai ao ginecologista e por aí fora…  Faz imensos exames, gasta muito dinheiro e não resolve o seu problema. Assim se percebe a importância de sensibilizar outras especialidades médicas para o hipotiroidismo que, volto a frisar, é fácil de diagnosticar e é fácil de tratar.

Além do diagnóstico, que papel pode ter o médico de família (MF) no tratamento e referenciação destes doentes?

Considero que no caso da doença da tiroide – patologia com maior expressão no universo da Endocrinologia, a par da obesidade e da diabetes – deve existir sempre uma ligação entre o especialista de MGF e o endocrinologista.

Há sempre vantagem na existência de uma ligação estreita entre o endocrinologista e o MF. No caso concreto do hipotiroidismo, o endocrinologista tem um papel central no diagnóstico e na prescrição de um plano terapêutico, que depois pode ser executado e acompanhado pelo MF.

Igualmente fundamental é o reforço no que diz respeito a esta área patológica na formação médica pré e pós-graduada.

Qual o estado da arte no tratamento do hipotiroidismo?

Antes de tratar, é preciso que o médico pense e identifique as causas do hipotiroidismo (sendo que a mais comum é a autoimune).

Tratar, como já afirmei, é fácil. O tratamento do hipotiroidismo consiste na terapêutica de substituição da hormona tiroideia. E é fundamental, na medida em que ninguém vive sem hormona tiroideia e se um hipotiroidismo subclínico pode não dar grandes queixas, um hipotiroidismo com quadro clínico florido é uma situação altamente grave. Os vários campos afetados pelo hipotiroidismo, nomeadamente ao nível cardiovascular, podem resultar em situações clínicas severas.

Se compararmos com a diabetes, em que os grandes avanços terapêuticos dos últimos anos consistiram no aparecimento de várias novas classes terapêutica, no hipotiroidismo a grande novidade em termos de tratamento prende-se com a disponibilização de várias doses e, consequentemente, com a importância crescente face ao rigor da dose que vamos escolher.

Quando iniciei a minha prática clínica como endocrinologista havia uma dose (100 microgramas) e hoje em dia temos disponíveis comprimidos com 11 doses diferentes (repartíveis). Esta possibilidade de tratar com uma “terapêutica de alfaiate” é uma oportunidade de tratar com maior rigor. E tratar com maior rigor implica que a pessoa esteja bem controlada, impedindo que os órgãos que podem sofrer consequências decorrentes do hipotiroidismo não sejam afetados, nem se tornem disfuncionais.

Porque se houver hormona tiroideia a menos é mau, mas hormona tiroideia a mais pode ser ainda pior. Mais uma vez, este rigor justifica a intervenção do endocrinologista.

Qual a importância do estudo THESIS e o que nos mostram os resultados do mesmo?

O estudo THESIS é um estudo europeu, levado a cabo pela Sociedade Europeia da Tiroide, de extrema importância, uma vez que procedeu a uma avaliação da forma como os endocrinologistas tratam os seus doentes com hipotiroidismo.

É fundamental que percebamos a distância que vai entre o que deve ser feito (guidelines) e aquilo que na realidade fazemos. Os médicos devem preocupar-se em avaliar o resultado da sua prática clínica.

SO

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