30 Mai, 2022

“Estima-se que existam 7 a 8 mil pessoas com esclerose múltipla em Portugal”

"Há formas de apresentação da doença [esclerose múltipla] que são mais simples de serem detetadas, mas conseguimos através de campanhas de literacia da população em geral e, sobretudo, com informação dirigida às especialidades referenciá-los muito mais rapidamente", refere José Vale.

No âmbito do Dia Mundial da Esclerose Múltipla, o Diretor do Serviço de Neurologia Hospital Beatriz Ângelo, José Vale, explica quais são os atuais desafios no diagnóstico da esclerose múltipla (EM). O ex-presidente do Colégio de Neurologia da Ordem dos Médicos menciona ainda que, embora não haja dados concretos, se estime que a incidência da EM esteja a aumentar.

 

Qual a importância do diagnóstico precoce da EM e como é que este pode ser antecipado?

O diagnóstico precoce da EM é muito importante, no sentido em que quanto mais cedo conseguirmos controlar a doença do ponto de vista terapêutico, melhor será o prognóstico do doente a longo prazo. Se o diagnóstico é feito logo numa fase inicial, conseguimos controlar sobretudo a atividade inflamatória da doença através da terapêutica, portanto conseguimos que não haja surtos nas formas de surto-remissão.

É possível, através desta abordagem, ter um melhor prognóstico a longo prazo, pois se se perderem os tempos de atuação, as lesões vão ocorrendo e muitas delas vão deixando sequelas definitivas que já não são passíveis de ser revertidas através da medicação.

Há formas de apresentação da doença que são mais simples de serem detetadas, mas conseguimos através de campanhas de literacia da população em geral e, sobretudo, com informação dirigida às especialidades que se confrontam com inicialmente com os com os sintomas iniciais dos doentes, referenciá-los muito mais rapidamente.

Quais os atuais tempos de espera para a deteção da EM, quer em formas progressivas da doença, bem como nas formas de surto-remissão?

Há cerca de três ou quatro anos foi feito um estudo nacional e percebeu-se que o tempo de atraso do diagnóstico rondava os quatro meses para as forma progressivas, o que é para a realidade europeia é um dado bastante positivo. Por vezes esse diagnóstico pode demorar entre meio ano ou a ano, na medida em que é necessário algum tempo de observação dos sinais lentamente progressivos, o que nos suscita sempre mais dificuldades, mas essa é uma realidade também ela transversal a todos os países. Nas formas de surto-remissão conseguimos que o diagnóstico seja estabelecido com alguma rapidez, porque depois de o doente chegar até ao neurologista o diagnóstico faz-se com relativa rapidez.

Podemos garantir através de vários fármacos que estão disponíveis atualmente um melhor controlo da situação e permitir que o prognóstico seja melhor, evitando o aparecimento de novas lesões na ressonância magnética e prevenindo assim e evolução da doença em termos futuros.

As formas progressivas têm agora dois fármacos aprovados, mas com benefícios relativamente reduzidos, portanto a terapêutica ainda não consegue garantir que consigamos interceder nessa fase progressiva. Em contrapartida, dispomos de medicação aprovada para formas de surto-remissão

Como tem oscilado a incidência da EM em Portugal e no resto do mundo?

Em relação à incidência da doença em Portugal, não dispomos de dados muito seguros. Os estudos epidemiológicos têm já vários anos, sendo que o estudo que mais relevante em relação à incidência da EM é da autoria do Prof. João de Sá, chefe de Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria, que aponta para um número perto de seis mil doentes em Portugal, portanto 60 doentes por cada 100 mil habitantes.

Ainda assim, com base na nossa prática e até com os registos da dispensa de medicação dos laboratórios, achamos que haverá um número bem superior a esse, estimando que existam em Portugal entre sete e oito mil pessoas com esclerose múltipla.

Esta questão de incidência é assim um dado mais ou menos seguro.  Não sabemos quantificar, mas acreditamos também que a incidência da doença tem vindo a aumentar, sendo esta uma realidade para todas as doenças autoimunes e não só para a esclerose múltipla, mas o número de doentes é maior e é sobretudo nas mulheres.

Há dados internacionais que realçam também, relativamente à tendência entre sexos, que esta é mais vincada nas mulheres. As razões para que isso aconteça são ainda desconhecidas, mas acredita-se que possam estar subjacentes a todas as heranças autoimunes, resultantes em parte da melhoria dos cuidados de saúde e a evicção de doenças infecciosas. Portanto, essa ausência de contacto com certos agentes pode ser uma explicação para que o sistema imune fique mais suscetível de desenvolver fenómenos de autoimunidade, quer para doenças médicas como também neurológicas.

DT

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