14 Fev, 2020

Especialistas portugueses reagem a editorial da Lancet sobre SNS

No artigo, os autores salientam a área dos cuidados em fim de vida como uma das mais negligenciadas no sistema nacional de saúde.

Especialistas portugueses alertam numa resposta publicada ontem, 13 de fevereiro,  na revista The Lancet a um editorial da mesma publicação sobre o estado Serviço Nacional de Saúde (SNS) que os cuidados em fim de vida são a “área mais negligenciada da saúde” em Portugal.

Quatro clínicos e investigadores em cuidados paliativos, Bárbara Gomes, Duarte Soares, Ana Lacerda e Maja Brito, decidiram juntar-se e responder a um editorial de 12 de outubro de 2019 da The Lancet, dedicado aos 40 anos do SNS, onde se afirmava que “a redução do investimento público na saúde em Portugal entre 2000 e 2017 impediu a modernização dos hospitais públicos” e facilitou o “crescimento do setor privado”.

“Quando a Lancet publicou um editorial sobre o estado do nosso SNS ocorreu-nos responder e reagir, salientando a área dos cuidados em fim de vida como uma das mais negligenciadas no nosso sistema nacional de saúde, disse à agência Lusa, Bárbara Gomes, investigadora da Universidade de Coimbra e do King’s College London.

Os investigadores, nos estudos que realizaram, observaram que “o número de mortes de pessoas com necessidades paliativas estava a crescer”.

“Portugal é um país extremamente envelhecido, dos mais envelhecidos do mundo, e notávamos uma tendência continuada de morte no hospital, que sabíamos que é uma realidade muitas vezes contrária às preferências das pessoas de morrer em casa”, afirmou à Lusa Bárbara Gomes.

Apesar de Portugal não ser dos países em que os cuidados paliativos estão mais desenvolvidos, têm sido dados passos nesse sentido. “Porém, achamos importante alertar que o investimento” feito ao longo dos anos “tem sido deficitário em relação às necessidades”, o que “pode deixar a descoberto as necessidades da população de uma forma séria”, salientou.

Para Duarte Soares, médico e presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, “um investimento deficitário nos cuidados em fim de vida impede que se reverta a tendência de morte no hospital e afeta as condições em que as pessoas morrem nestas instituições de saúde”.

“Por outro lado, observamos uma expansão do setor privado nesta área, o que significa que mais pessoas acedem a cuidados paliativos, mas que a desigualdade aumenta”, sublinha Duarte Soares.

Em declarações à Lusa, Duarte Soares afirmou que “Portugal acompanha as alterações demográficas de muitos outros países”, mas o que difere são “as políticas e a capacidade de investimentos diferentes nesses países”.

“Temos que olhar para aqueles países que sofrem dos mesmos desafios demográficos, mas que têm neste momento respostas muito mais dirigidas e muito mais robustas ao alívio do sofrimento das pessoas”, defendeu.

A pediatra oncologista Ana Lacerda alerta na carta que esta realidade afeta também as crianças, “um grupo particularmente vulnerável e carente de cuidados, que merece especial atenção”.

Maja de Brito, psicóloga e investigadora, alerta, por seu turno, que “as famílias dos doentes e os cuidadores informais” também “não podem ser esquecidos”, defendendo que o Estatuto do Cuidador Informal e as propostas anunciadas no Orçamento de Estado para 2020 “têm de ser postas em prática sem demora”.

Perante esta realidade, os autores alertam para a necessidade de uma “revolução Copernicana” na “gestão da saúde, de forma a assegurar que os cuidados paliativos estão acessíveis a todos e que o SNS se adapta aos seus utentes, e não o contrário”.

SO/Lusa

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