5 Set, 2023

“É urgente que o governo inclua a doença renal crónica como uma das prioridades do Plano Nacional de Saúde”

Sofia Correia de Barros, presidente da ANADIAL, fala dos desafios da doença renal crónica, no âmbito do 1º Fórum Luso-Brasileiro de Gestão em Diálise, que foi organizado, no final de agosto, pela Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), em parceria com a ANADIAL.

“Os Caminhos da Diálise em Portugal” foi o tema da sua intervenção no Fórum. Que caminhos são esses?

A Diálise em Portugal é uma história de inovação e de sucesso, no sentido em que em 2008 foi criado por comum acordo entre a iniciativa privada e o Ministério da Saúde o preço compreensivo, que pretende assegurar um tratamento holístico ao doente e com isso conseguimos melhorar a qualidade do tratamento (medido pela taxa de mortalidade) para uma das melhores do mundo.

No entanto, este caminho tem tido alguns desafios, sendo que o mais premente é a manutenção do valor do preço compreensivo desde 2011, apesar de, entretanto, termos observado um aumento generalizado dos custos que o compõem, como é o caso do ordenado mínimo nacional e da revisão das carreiras na saúde ou ainda do aumento significativo de outros custos como a eletricidade e a água.

Se não for realizada uma revisão ao valor do preço compreensivo, estará em risco a sustentabilidade desta parceria que as empresas do setor de diálise mantêm com o Serviço Nacional de Saúde, especialmente se considerarmos os investimentos que as clínicas de hemodiálise têm que fazer, quer por exigências legais, quer para renovação e manutenção dos equipamentos críticos desta operação (monitores, cadeirões e unidade de tratamentos de água).

 

Apesar dos avanços no tratamento ao longo dos últimos anos, como avalia o acesso aos mesmos por parte dos doentes?

O acesso ao tratamento de hemodiálise em Portugal é dos melhores a nível mundial, quer pelo número de clínicas de hemodiálise que existem, quer pela dispersão das clínicas por todo o país, o que assegura tratamento a todos os portugueses. Segundo a Entidade Reguladora da Saúde, 18 minutos é o tempo médio de viagem de um utente entre a sua residência e a unidade de hemodiálise em que é tratado. No final de 2022, em Portugal existiam 12.878 doentes a realizar hemodiálise.

Nas últimas semanas veio a público de que os utentes de Vila Real poderão ter de mudar de clínica. A internalização destes cuidados é uma ameaça para o setor ou é um caso isolado?

A ANADIAL- Associação Nacional de Centros de Diálise está a acompanhar este caso com grande consternação. Por mais de duas décadas, a TECSAM deu resposta aos doentes insuficientes renais crónicos de Vila Real, proporcionando-lhes cuidados de saúde indispensáveis para sobreviverem, uma vez que o SNS não dispunha de meios para o fazer. No entanto, com a criação de um Centro de Responsabilidade Integrada (CRI) na área da hemodiálise no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD), os doentes começaram a ser tratados nesse hospital público. Sendo assim, já não podem ser tratados no centro privado mais perto da sua área de residência, o que afeta significativamente a qualidade de vida dos doentes que necessitam de realizar maiores distâncias, três vezes por semana.

“No futuro, esperamos também que exista um número maior de doentes a realizar a diálise peritoneal, um tratamento alternativo à hemodiálise”

O que se pode esperar do futuro da diálise em Portugal?

O futuro da diálise em Portugal está muito condicionado pela estratégia que o Ministério da Saúde definir para esta área da saúde, nomeadamente no peso que este quer ter na prestação dos tratamentos de diálise pela criação de CRI e no reforço da capacidade instalada nos hospitais públicos.

Contudo, e se tivermos em consideração apenas o momento atual,  registamos com entusiasmo que o setor privado da diálise continua a investir na melhoria da qualidade da prestação de cuidados de saúde aos doentes renais crónicos, com a abertura de novas clínicas, e que o governo mantém a confiança no setor ao conceder novas convenções com o SNS. São exemplos as duas novas clínicas de diálise em Mafra e as duas novas clínicas de diálise em Alcobaça, que entraram em funcionamento no final do mês de agosto. No futuro, esperamos também que exista um número maior de doentes a realizar a diálise peritoneal, um tratamento alternativo à hemodiálise que continua ainda com uma percentagem muito abaixo da média europeia. Com a diálise peritoneal, o doente poderá realizar o seu tratamento em casa, sem necessidade de se deslocar a uma clínica.

Este evento foi uma oportunidade para estabelecer possíveis parcerias entre Portugal e o Brasil?

 A Conferência Luso-Brasileira da Gestão da Diálise foi um excelente fórum para discutir temas prementes na gestão dos centros de diálise, na gestão da doença renal crónica e nos desafios do contexto político-económico em que estamos. Depois de um dia e meio de apresentações de temas tão diversos como a Inteligência Artificial, enquadramento fiscal ou ainda o observatório das especialidades médicas, fica claro que há muitas semelhanças e oportunidades de aprendizagem entre as duas geografias.

“O doente é o nosso foco e a nossa missão é melhorar, todos os dias, a prestação de cuidados de saúde, mas não o conseguimos fazer sem o apoio e a parceria dos governos”

Em que áreas poderão colaborar?

Estamos neste momento a definir as áreas de colaboração, sendo que o potencial é muito grande. Acredito que a área da formação, onde a ABCDT, através do programa e-Educa, lançou um MBA focado na gestão de centros de diálise ou a componente de definição de resultados para a área da diálise, podem ser dois exemplos do largo espectro que podem ser cobertos com a colaboração de duas associações congéneres.

 

No final do 1.º Fórum Luso-Brasileiro de Gestão em Diálise, quais são as principais mensagens que não devem ser esquecidas?

O doente é o nosso foco e a nossa missão é melhorar, todos os dias, a prestação de cuidados de saúde, mas não o conseguimos fazer sem o apoio e a parceria dos governos. A título de exemplo, durante o 1.º Fórum Luso-Brasileiro foi anunciado que o Brasil instituiu o Dia Nacional da Diálise, por publicação de uma medida legislativa que vai permitir aumentar a consciencialização, no Brasil, para a doença renal crónica, para a sua prevenção e diagnóstico precoce e para a diálise, enquanto tratamento que salva a vida dos doentes.

Infelizmente, em Portugal, ainda não temos instituído um Dia Nacional que celebre o contributo fundamental que a diálise tem na vida de todos os doentes renais crónicos. A nossa recomendação é que é urgente que o governo português inclua a doença renal crónica como uma das prioridades do Plano Nacional de Saúde. A ANADIAL está disponível para dialogar com o Ministério da Saúde e para colaborar na estratégia do Governo nesta área da saúde.

Texto: MJG

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