Dor nas crianças: reconhecer, avaliar e tratar
A dor é comum em idade pediátrica, mas ainda frequentemente subvalorizada. Durante décadas acreditou-se que as crianças não sentiam ou sentiam menos dor do que os adultos, levando à sua subavaliação e subtratamento. Quanto mais nova a criança, menor a probabilidade de receber alívio adequado da dor. Hoje sabe-se que a dor pediátrica é real, com repercussões imediatas e a longo prazo, e que a sua avaliação e tratamento são fundamentais para o bem-estar e desenvolvimento da criança.
A dor é definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável, modulada por fatores biológicos, psicológicos e sociais, variando com a idade, desenvolvimento e contexto familiar e cultural. Mesmo recém-nascidos pré-termo possuem vias nociceptivas funcionais e são capazes de sentir dor, com impacto no desenvolvimento cerebral.
Além da componente biológica, em que o dano tecidular gera sinais que chegam ao cérebro e são interpretados como dor, fatores como ansiedade, depressão, crenças ou experiências adversas podem intensificar a perceção da dor, mas a dor é sempre real. A dor pode ser aguda – associada a infeções, quedas, procedimentos com agulha ou cirurgias; ou crónica, quando persiste por mais de 3 meses – cefaleias, dor abdominal funcional ou musculoesquelética.
A avaliação da dor deve ser adaptada à idade e ao contexto clínico e é fundamental para orientar o tratamento e monitorizar a sua eficácia. Em crianças acima dos 3 anos, privilegia-se o autorrelato, enquanto nas crianças mais pequenas (pré-verbais) e não verbais recorre-se a escalas observacionais que analisam expressão facial, choro, postura ou alterações fisiológicas. Entre mais de 60 escalas validadas, destacam-se a Escala Numérica, Escala de Faces e a FLACC.
O tratamento deve ser multimodal, combinando estratégias farmacológicas e não farmacológicas. Entre os fármacos mais usados estão o paracetamol, anti-inflamatórios e, em casos específicos, os opioides, exigindo a atenção às diferenças farmacocinéticas e farmacodinâmicas da criança em relação ao adulto.
Medidas não farmacológicas incluem: distração, conforto, reabilitação (como fisioterapia), psicologia (como terapia cognitivo-comportamental) e terapias integrativas (como hipnose e massagem). A criança deve sentir-se segura e envolvida e a participação dos pais é essencial para garantir maior eficácia do tratamento. O não tratamento da dor pode ter consequências a longo prazo, como ansiedade, depressão, maior sensibilidade à dor ao longo da vida e evicção dos cuidados de saúde.
A dor crónica afeta um em cada 5 adolescentes, é mais frequente nas raparigas e aumenta com a idade. É um problema de saúde pública global, que pode comprometer o sono, atividade física, rendimento escolar, vida familiar e interação social, além de gerar custos adicionais para o sistema de saúde. A abordagem baseia-se no modelo biopsicossocial, integrando fatores biológicos, psicológicos e sociais que perpetuam a dor, envolvendo equipas interdisciplinares de médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. O objetivo é restaurar a função, atividade física, sono adequado e a reintegração escolar e social, pois à medida que a funcionalidade melhora, a dor tende a diminuir ou desaparecer.
Tratar a dor na criança não é opcional — é uma obrigação ética e científica. Reconhecer, avaliar e intervir precocemente alivia o sofrimento imediato, previne complicações futuras e promove uma infância mais saudável e plena.