Cuidados Paliativos. Esperança infundada? Promessa adiada?
Médico da ECSCP Gaia - ULSGE; Professor Auxiliar Convidado da FMUC e da FMUP

Cuidados Paliativos. Esperança infundada? Promessa adiada?

Chegámos ao mês de Outubro, o mês dos Cuidados Paliativos. Esperança infundada? Promessa adiada? Talvez um pouco das duas. Mas a questão mais importante é: queremos ou não queremos implementar verdadeiramente os Cuidados Paliativos em Portugal? E como queremos desenvolvê-los?

Temos ou não temos evidências que este investimento origina retorno? Qual é ou qual pode ser o valor acrescentado em saúde desta área no nosso sistema? Traz mais qualidade? Poupa recursos? Cria mais satisfação? Sabemos isto? Temos dados ou falamos empiricamente? Há objetivos concretos ou falamos “apenas” de questões éticas? Neste mês, cumprimos 10 meses sem Comissão Nacional de Cuidados Paliativos (CNCP). Sem plano nem estratégia, que são urgentes. Porque se queremos estar na linha da frente da criação de um modelo centrado nos doentes, precisamos urgentemente de um concurso para a CNCP.

Hoje, podemos refletir com base em evidências, acerca de vários fatores relacionados com a medição de valor, incluindo qualidade, satisfação e recursos. E porque estamos no mês 10, segue uma lista de 10 reflexões acerca destes parâmetros, fruto de análise de dados já publicados:

1- Ainda conotamos os Cuidados Paliativos (CP) com o Fim de Vida. E não distinguimos o que são CP básicos dos especializados. Mas o foco dos Cuidados Paliativos especializados tem que ser a alta complexidade clínica, independentemente da(s) doença(s), e é por isso que 50% dos doentes devem ter alta…Em modelos de alta performance, temos que garantir início de acompanhamento em menos de 24h após referenciação;

2- A medicina paliativa deve ser uma especialidade de precisão farmacológica, acentuando benefícios e atenuando ou evitando dano potencial, ajustada às características individuais. No entanto, observamos práticas inconsistentes e divergentes relativamente ao controlo de sintomas e aos alvos terapêuticos para cada doente (https://www.mdpi.com/1999-4923/16/9/1152);

3- Os cuidados paliativos especializados devem assegurar que o doente tenha apoios sociais, apoio psicológico (para o próprio e para a família e cuidadores) e adequação terapêutica, com doses e posologias adaptadas à pessoa, o que não se verifica em muitos doentes (https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/21501319241285340);

4- A perda de via oral gera muita angústia nas famílias e nos profissionais. Continuamos a assistir a uma baixa preparação e fraca orientação para valor acrescentado em saúde, complicando decisões que devem ter uma orientação clara, científica e humanista. Na perda de via oral, só o doente com expectativa de sobrevivência abaixo de 4 semanas é que não beneficia de alimentação por sonda nasogástrica ou, idealmente, por gastrostomia percutânea (PEG). Todos os doentes que tenham uma expectativa de sobrevivência superior a 4 semanas apresentarão benefício em várias dimensões – do controlo de sintomas, à qualidade de vida e, claro, ao próprio aumento da sobrevivência (https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/21501319241285340)

5- Uma equipa de cuidados paliativos domiciliária de alta performance aumenta a qualidade de prestação de cuidados, custa muito menos (até 10x de poupança para o sistema), traz mais satisfação e sensação de segurança a todos os envolvidos, evitando mais de 3000 idas à urgência em 323 doentes durante um ano de acompanhamento e tendo apenas 37 recorrências, 24 das quais enviadas pela própria equipa. Ou seja, onde estão as evidências da necessidade imperiosa de se colocar estas equipas em regimes de 24/24h, 7 dias por semana? (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2950307825000384?via%3Dihub)

6- Os cuidadores informais (em Portugal serão quase 2 milhões) são um motor económico fundamental na área da saúde. Sim, económico! Geram poupança e melhoram a qualidade da prestação de cuidados a vários níveis. Do que precisam mais em relação aos apoios formais? Dizem eles, não sou eu: precisam da equipa de cuidados paliativos. Mais até do que dos apoios financeiros (que também precisam imenso!) (https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/26323524251336764)

7- A formação pré-graduada em medicina paliativa é praticamente inexistente no nosso país, o que gera dificuldades acentuadas no controlo da dor e de outros sintomas, para além de défices de formação em comunicação e trabalho em equipa, que são áreas estratégicas fundamentais. E as formações pós-graduadas em Cuidados Paliativos revelam lacunas graves relativamente aos conhecimentos médicos que deviam ser treinados (medicina paliativa) (https://www.mdpi.com/2076-3271/13/3/167)

8- A síndrome de anorexia-astenia-caquexia é ubiquitária em cuidados paliativos especializados, independentemente da doença ou doenças principais. No entanto, o seu tratamento preventivo é praticamente inexistente e as estratégias de reabilitação e contenção da sua evolução negativa também não têm tido uma consistência de abordagem (https://www.mdpi.com/2077-0383/14/17/6167)

9- A terapêutica com antibióticos em doentes frágeis não é geradora de consensos. O nosso estudo, realizado com dados de cerca de 250 doentes em fim de vida, propõe que as abordagens em medicina paliativa deviam passar pela utilização de fármacos com maior potência bactericida e maior espectro de ação, evitando fenómenos como a perda de oportunidade, em doentes em que acreditamos no benefício da utilização dos antibióticos (https://www.mdpi.com/2079-6382/14/8/782)

10- Medirmos saúde é fundamental. Criarmos indicadores organizacionais e de resultados focados no doente e nos alvos terapêuticos/clínicos de forma individualizada é crucial. Os recursos não são infinitos. Temos que investir bem.

Vamos olhar para as evidências? Vamos reorganizar-nos com um modelo exigente, focado em melhores outcomes, melhores resultados e melhores índices de produtividade?

 

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