14 Mar, 2023

Cuidados Paliativos. “A maior lição de Cabo Verde é o espírito global de confiança e resiliência face às adversidades”

A equipa da Iniciativa Médica 3 M – IM3M esteve em Cabo Verde a dar formação em Cuidados Paliativos. O coordenador, Hugo Ribeiro, conta como foi a experiência num país onde já se começa a sentir a pressão do envelhecimento. Na mala trouxe também o compromisso de manter o contacto permanente com o país a nível da formação.

Realizaram um curso de Cuidados Paliativos em Cabo Verde. A formação contou com quantos participantes? E de que especialidades?

Contou com cerca de 100 participantes, de todas as ilhas, 60 dos quais presencial e os restantes online, de várias especialidades médicas, para além de enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais.

 

Quais as principais necessidades do país nesta área?

Tivemos oportunidade de visitar e colaborar na avaliação da capacidade instalada, não só a nível hospitalar como em cuidados de saúde primários, e ficámos agradavelmente surpreendidos com as condições dos centros de saúde na ilha de Santiago. Creio que a principal dificuldade neste momento, em todas as áreas, é a capacidade de reter e recrutar profissionais qualificados, conseguindo abrir portas para a formação especializada no país, diminuindo a dependência de internato estrangeiro, particularmente em Portugal. A nível de Cuidados Paliativos, há uma vontade expressa das autoridades de saúde cabo-verdianas no investimento nesta área, ultrapassando as nossas maiores expectativas nesta missão. Há o desejo de criar pontes para formação e intercâmbio de experiência e conhecimentos, numa lógica de formação contínua, sendo que o Secretário de Estado Adjunto e Saúde demonstrou confiança e vontade que estes protocolos e parcerias sejam efetivados ainda este ano, de âmbito universitário e académico e de âmbito profissional, com a IM3M a servir de facilitador nestes contactos e organizações. Existe a vontade de se desenvolverem as áreas da Geriatria, da Dor e dos Cuidados Paliativos e o nosso compromisso de apoio para garantir a abertura de cursos de pós-graduação e de cadeiras curriculares na formação pré-graduada.

“Cabo Verde tem cerca de 590 mil habitantes e começa a ter uma inversão da pirâmide etária, apresentando-se como um país “em transição” da realidade africana para a da Europa ocidental”

Quantos doentes precisam de Cuidados Paliativos em Cabo Verde?

Cabo Verde tem cerca de 590 mil habitantes e começa a ter uma inversão da pirâmide etária, apresentando-se como um país “em transição” da realidade africana para a da Europa ocidental em termos demográficos. Sendo desconhecido o número real de doentes com esta necessidade anualmente, sabemos que é crescente e, segundo as projeções internacionais, podemos pensar numa necessidade para 5000 doentes anualmente.

 

Também falaram sobre Cuidados Paliativos Pediátricos. Neste caso, estamos a falar de que patologias?

Os Cuidados Paliativos Pediátricos abordam todo o tipo de patologias (neurológicas, neoplásicas, congénitas), sendo que a abordagem de controlo de sintomas e de gestão do luto, das más notícias, etc., tem que ser extremamente individualizada e realizada por profissionais altamente diferenciados, pois a população pediátrica é extremamente heterogénea, com a dificuldade acrescida que a maior parte da atuação médica será off-label.

 

E têm acesso à medicação paliativa, quer para crianças e jovens quer adultos ou ainda existem problemas, nomeadamente nas regiões mais afastadas da capital?

Têm acesso a praticamente todos os fármacos que nós temos em Portugal ou estão em vias de adquirir essas mesmas ferramentas. Faltam, acima de tudo, recursos humanos, muito particularmente recursos humanos qualificados e altamente diferenciados.

“… à medida que a população envelhece, que a taxa de natalidade diminui e se aproximam de uma inversão da pirâmide etária, surgem as mesmas pressões socioeconómicas”

No que diz respeito ao cuidar e ao luto – nomeadamente prevenção do luto patológico -, acaba por ser mais fácil pôr em prática estes cuidados numa sociedade como a cabo-verdiana, onde a população dá mais valor à família?

Essa era a nossa expectativa prévia. No entanto, à medida que a população envelhece, que a taxa de natalidade diminui e se aproximam de uma inversão da pirâmide etária, surgem as mesmas pressões socioeconómicas que observamos no nosso país, estando neste momento o governo a repensar toda a rede de cuidados para o futuro, particularmente os cuidados geriátricos e paliativos, e os cuidados continuados.

 

O que mais aprendeu a equipa portuguesa com esta experiência em Cabo Verde?

Viemos com o nosso espírito de missão reforçado pela excelente receção que tivemos, especialmente motivados e esperançosos na criação de pontes, de parcerias e de protocolos entre os dois países. Precisamos tornar regular esta formação contínua, de trabalhar juntos, nós lá e eles cá, pois assim poderemos crescer juntos. A maior lição de Cabo Verde é o estado de espírito global de confiança, empenho, dedicação e resiliência face às adversidades. Partilhámos histórias que nos marcaram e falámos sobre a implementação das cidades compassivas noutra tertúlia e sentimos sempre que há uma vontade geral em reformar o país e de aproximação a Portugal.

 

A IM3M vai ter mais formações fora de Portugal?

Este ano estamos a lidar com um problema de financiamento, pela quebra de apoios às formações que realizamos em Portugal por parte de todos os parceiros habituais, em geral, mas temos convite informal para irmos a Angola e a S. Tomé em 2024. Tudo faremos para que seja possível levar uma comitiva a pelo menos um destes países. Também teremos que salvaguardar a manutenção de formações periódicas em Cabo Verde, de acordo com o compromisso assumido com os seus responsáveis.

SO

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